No dia da celebração do Juneteenth – data da libertação dos últimos escravos no estado do Texas, nos EUA, que aconteceu em 19 de junho de 1865 – a Netflix lançou o documentário “A Primeira Barbie Negra/Black Barbie“.
Com produção executiva de Shonda Rhimes e dirigido e produzido por Lagueria Davis, ele é um soco no estomago. Sem dúvida, é um dos grandes lançamentos de 2024 do canal de streaming.

Sim, Barbie é um dos maiores símbolos da opressão pelo corpo idealizado (e irreal). Este é um fato! Porém, não existe outro produto feito para o universo infantil – criado há 65 anos – que se tornou um ícone da cultura pop. Você pode critica-la, odiá-la, acha-la ridícula, cafona… Mas a Barbie é um fenômeno cultural dos séculos XX e XXI.
Lembre-se que o filme dirigido por Greta Gerwig e protagonizado por Margot Robbie e Ryan Gossling arrecadou U$ 1,445,638,421 em todo o mundo. Com isso, “Barbie” está no 14º lugar no ranking entre as maiores bilheterias da história de Hollywood.
Mas… Se a boneca loira, de olhos azuis e longos cabelos loiros e lisos faz tanto sucesso, o mesmo acontece com sua versão preta?

Documentário A Primeira Barbie Negra – Netflix – 2024 @ divulgação

Divido em três capítulos – “Antes da Barbie Negra: Não havia Bonecas Negras”, “Depois da Barbie Negra: Rompendo Barreiras” e “Futuro da Barbie Negra: Foco da própria história?”, ele transita por variadas camadas de emoções. A primeira foca na criação, a segunda como a boneca chegou ao mercado e o terceiro discute quais impactos reais aconteceram na vida real da população negra.
A ideia do documentário surgiu quando a diretora se mudou para Los Angeles para tentar uma vaga na indústria do cinema. Acabou morando no quarto oferecido por sua tia Beulah Mae Mitchell. Detalhe: lotado de bonecas, que Langueria detestava.
A tia trabalhou na Mattel entre 1955 a 1999. Muito pobre, quando criança, ela fazia bonecas com potes de geleia e cordinhas. As primeiras bonecas ‘de verdade’ eram brancas. Não existiam bonecas negras na época. Seu depoimento será o primeiro, ao lado de atrizes, diretoras, executivas, politicas, esportistas, bailarinas, apresentadoras, professores, executivos que irão traçar os primeiros passos para a criação de uma Barbie negra.
Após o lançamento da Barbie em 1959, Beulah teve uma breve conversa com Ruth Handler, dona da Mattel e sugeriu criar uma versão preta. Importante lembrar que, na época, a empresa era familiar, na qual os donos circulavam pela fábrica entre os funcionários e acabavam pedindo a opinião sobre novas ideias para criação de outros brinquedos.
Lembrando que Sara Lee Creech lançou a primeira boneca em formato de bebê preto em 1951 pela Toy Corporation com o nome Sara Lee Negro Doll.

1951 Boneca Sara Lee Negro @ divulgação

A Mattel lançou ‘amigas da Barbie’, como a Original Francie em 1966 e um ano depois, a Colored Francie. O uso da palavra colored era um eufemismo difundido na sociedade estadunidense desde o fim do século XIX. Alguns estados dos Estados Unidos da América, muito tempo após a abolição da escravatura, ainda tratavam os indivíduos de etnia negra como inferiores: havia a divisão de bairros, crianças negras não estudavam com crianças brancas, separação de assento em ônibus, entre outras formas de segregação racial.

Colored Francie – 1967 @ Reprodução

Em 1968, lançou a Christie e Cara, ‘amigas’ de Barbie, que eram versões escuras exatas das brancas. Não tinham traços raciais.

Christie – 1968

Em 1969, a Mattel lançou a Júlia, versão da personagem Julia Baker, protagonista de uma série de TV, estrelada por Diahann Caroll, que fez muito sucesso na época.

Boneca Julia Giftset , personagem de Diahann Carroll na série ‘Julia’ @ Divulgação

Por volta da mesma altura, a Mattel ajudou na criação da num fábrica chamada Shindana, cujo principal objetivo era criar bonecas com aparência mais semelhantes às pessoas negras. A boneca Bebê Nancy – em três versões de cabelos – nasceu em 1968.

1968 Boneca Baby Nancy

Em 1978, a empresa lançou a Disco Wanda, uma boneca em formato adulto. Outras empresas começaram a fazer brinquedos no mesmo modelo. A empresa faliu em 1983.

1978 Wanda Doll da Shindana @ divulgação

Em 1974, a Mattel lançou a Ballerina Cara, primeira boneca negra no conceito. Em 1976, é contrata Kitty Black Perkins, que viria a ser tornar a primeira Barbie Negra em 1980. Inspirada na cantora Diana Ross, a boneca tinha lábios mais carnudos, nariz negroide, vestido mais ajustado ao corpo e um colar preso no colo. O protótipo do cabelo crespo ficou a cargo de Mellie Phillips, que já trabalhava neste departamento dentro da empresa. Ela nasceu 21 anos depois do nascimento da Barbie.

A original Primeira Barbie Negra e Kitty Black Perkins @ Divulgação

Com o sucesso da Barbie Negra, em 1991, Kitty lançou uma nova linha chamada Shani, com três bonecas, Asha, Nichelle e Shani, com diferentes tons de pele e cabelos. Fizeram uma grande campanha de lançamento com participação do grupo feminino Em Vogue, filmes e fotos publicitárias.

1991 Shani da Mattel – Asha, Nichelle e Shani @ divulgação

Com assinatura da nova designer Stacey McBride-Irby, surgiu a Barbie AKA, em homenagem a fraternidade Alpha Kapa Alpha – primeira com mulheres negras criada na Universidade Howard, em Washington, D.C. que completou 100 anos em 2008. No ano seguinte, ela lançou a linha So In Style.

Barbies da coleção So In Style @ divulgação

Renovação nos conceitos de tipos e estilos das bonecas pretas, próximas ao Street Wear – mudanças nos looks, cabelos e profissões – assim como as brancas. Lembrando que, 2009 foi o ano que Michelle Obama se tornou a primeira-dama negra dos EUA.

Documentário A Primeira Barbie Negra – Netflix – 2024 @ divulgação

Na produção, alguns psicólogos também mencionam os benefícios dos jovens negros poderem escolher entre uma variedade de bonecos que se assemelhem a eles. A expectativa dos produtores é que os espectadores possam perceber que estas Barbies representam apenas uma parte do que “é ser negro na América”, explicou a realizadora, Laqueria Davis, à revista “Time”.
Com o passar do tempo, a Mattel tornou-se mais inclusiva. Atualmente existem Barbies com 35 tons de pele, 97 penteados e nove tipos de corpo. “Dizemos que a representatividade é importante, mas muitas vezes isso é apenas utilizado como um cliché sem impacto. Neste filme, demonstramos que realmente faz a diferença e pode transformar vidas”, conclui Lagueria Davis.


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