por Ramon Barbosa Franco*
Estive em Curitiba no ano de 2022 e levei meus dois filhos até a casa de esquina do Alto da Glória onde viveu o recluso e genial Dalton Trevisan, para mim o maior escritor de Língua Portuguesa em atividade nos últimos anos.
Desde que morreu Jorge Amado e, depois, José Saramago, Trevisan – o ‘O Vampiro de Curitiba’ – ocupava de modo absoluto o posto de Luís Vaz de Camões do Olimpo das letras lusófonas. Como ele, raríssimos autores da Língua Portuguesa conseguiram fazer. Aos 99 anos, dos quais pelo menos 70 foram dedicados à produção literária, assinara mais de 700 contos, publicados em mais de 50 livros.

Nascido em 14 de junho de 1925, Trevisan se Graduou em Direito pela Universidade Federal do Paraná, mas exerceu a advocacia por pouco tempo. O campus ficava a poucos metros de distância da sua casa no Alto da Glória, a icônica residência de alvenaria na esquina das ruas Bubalino do Amaral e Amintas de Barros. Dedicou-se ao trabalho na fábrica de cerâmica da família, onde sofreu um grave acidente.
Deu sua última entrevista em 1972 e se alguém quisesse falar com ele era preciso deixar recados – e até documentos – na livraria do Chain, aonde ia todos os dias. Flagrado aqui e ali de boné, se irritava com os fotógrafos.
Se tivesse disposição para visitar os eventos literários do Brasil e do mundo – e não só nos países que falam o português como Portugal, Angola, Moçambique ou São Tomé e Príncipe – fatalmente desbancaria o moçambicano Mia Couto de expoente mundial da Língua Portuguesa. Engraçado que no mesmo 2022 em que estive na esquina de Dalton, conheci Mia em São Paulo, na homenagem que ele recebeu da Unesp. Mas Dalton preferia a atmosfera doméstica aos ares cosmopolitas de Lisboa, São Paulo, Nova York, Paris ou Amsterdã.

E foi no ambiente domiciliar que sua despedida foi confirmada, numa postagem onde surgia um Dalton meio adolescente, de ar profundo, todavia com pureza e docilidade. Sentado numa poltrona, olhava o tempo e deixava aflorar a sua precoce inteligência.
É com essa lembrança que o Trevisan indica querer fixar o seu ente ilustre, criativo e extraordinário. Thomas Pynchon – autor norte-americano recluso como Dalton Trevisan. Quando seu nome é pesquisado no Google, surge sua imagem jovem, incluindo uma foto tirada quando serviu a Marinha dos EUA.
A imagem de Pynchon grisalho, na idade que teria atualmente 87 anos, não é real. É fruto de inteligência artificial. Assim como Dalton Trevisan e Thomas Pynchon, J.D. Salinger (‘O Apanhador no Campo de Centeio’) e Rubens Fonseca também eram reclusos.
Exigente, revisava, cortava e alinhava o texto até ficar bom para ser publicado. Exímio contista, narrador preciso e autor imenso, ainda que seus contos fossem enxutos, diretos e às vezes compactos demais.
Um mês antes de seu falecimento estava trabalhando na próxima obra, ao que parece uma nova antologia de suas obras que sairia pela Todavia, sua nova casa editorial.
Da Curitiba viu o mundo, e escreveu sobre ele, fazendo da Ubaldino com a Amintas de Barros, a esquina da nossa Terra.
*Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’.

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