Memórias de infância que influenciam nossa vida

Ontem resolvi fazer mudanças na configuração do espaço no qual uso como home office/redação/ateliê. Fui uma pessoa que gostava de coleções: livros, revistas, discos de vinil, CDS, DVDS e Barbies. Faz alguns anos comecei a me desapegar. Apesar de ter doado muita coisa, ainda tenho livros, revistas, DVDs e CDS (que planejo me desfazer de boa parte em algum momento).

Minha meta é simplificar minha vida o máximo possível e também me cercar das coisas que sejam realmente importantes.
Nos últimos três dias, arrumar livros, revistas e objetos de decoração me despertaram memórias de uma infância.

Jorge Marcelo Oliveira – Livros @ MONDO MODA

Quando eu era bebê (em Piracicaba), uma vizinha se tornou amiga de minha mãe, D. Vera. Seu nome era Dilza. Filha de alemães, era uma mulher alta, corpulenta, olhos azuis e cabelos loiros. Segundo minha mãe, à primeira vista, ela não era simpática. Logo, porém, descobriu na realidade, ela era educada, tímida e discreta.

Apesar de diferente da exuberância e carisma de minha mãe, tornaram-se amigas. Como meus pais trabalhavam fora (meu pai, cozinheiro de um restaurante em Campinas e minha mãe, tinha um comércio de frutas e verduras), Dilza se tornou uma espécie de babá – mesmo que esta palavra soe elitista demais para definir tal relação. Para mim, ela ganhou a alcunha de ‘tia’. Até meus 20 e poucos anos, foi uma pessoa muito importante em minha história.

D. Vera e tia Dilza cercam o pequeno Jorge Marcelo em seu aniversário de 10 anos em Americana de 1977 @ Acervo Pessoal

Quando estava com seis ou sete anos, meus pais se mudou de Piracicaba para Americana. Mesmo assim, Tia Dilza continuou presente. Nas férias e feriados, eu estava lá.
Ela tinha uma vida comum. Trabalhava durante a semana. Aos sábados, passeávamos e aos domingo pela manhã, íamos à igreja. Na volta, ela fazia um bolo chamado Cuca alemã. Não tinha grandes surpresas, mas eu adorava.
De segunda à sexta, eu a acompanhava na casa que trabalhava como empregada doméstica. Os patrões eram um casal de idosos de classe média alta.

Bolo Cuca Alemã @ divulgação

Professora aposentada, a mulher adorava decoração. Seu living era lotado de pequenos objetos, porcelanas, vidros, plantas, variadas almofadas (incluindo uma com capa de pelo sintético, que eu achava o máximo), entre outros. Porém, era um espaço cênico. Não podia nem se sentar nos sofás ou poltronas. Quem entrava na casa, passava rapidamente pela sala e era acolhido nos outros ambientes.

Living 1977 @ divulgação

Eram educados e me tratavam bem. Enquanto tia Dilza trabalhava, eu me dividia entre a sala de TV e o escritório/biblioteca. A voz de Ofélia Anunciato na Band TV era constante. Ela apresentava um programa gastronômico no final das manhãs. Enquanto assistia ao programa, a dona da casa – uma professora aposentada – fazia tricô ou crochê. Ao lado do sofá, um porta revista ostentava a Manchete e Contigo, que eu adorava.

Ofélia Anunciato @ divulgação

O marido era jornalista (não me lembro se também estava aposentado ou não) e seu escritório cheirava charuto. Gostava de três coisas no ambiente: a escrivaninha cheia de objetos, a máquina de escrever usada com frequência e as estantes cheias de livros. Eventualmente ele me emprestava um livro para ler durante o tempo que estava lá.

Máquina de escrever Olivetti @ acervo pessoal

Não tenho certeza se isso me influenciou ou não, mas quando completei 12 anos, pedi aos meus pais uma máquina de escrever de presente de aniversário. Ganhei uma Olivetti cor de abóbora. Arriscava escrever umas palavras, sem muito efeito. Depois que atormentei minha mãe para fazer um curso de datilografia, fui matriculado numa escola num prédio na Rua Francisco Glicério, em Campinas. Curso finalizado, comecei a escrever uma novela inspirada na série “Dallas”. Gastei umas 300 páginas de papel sulfite para terminar. Infelizmente, quando entrei na faculdade, joguei tudo no lixo.

Dallas TV Show @ divulgação

Voltando as memórias sobre Piracicaba, no final do dia, voltávamos para sua casa caminhando (não era longe) e Tia Dilza fazia o jantar. Depois que seu marido, tio Leonel, saia para trabalhar (não me lembro de se era porteiro ou segurança, mas me lembro de que era alcoolista), assistíamos televisão. Ela não gostava de novelas. Víamos filmes e séries, como “Os Pioneiros” e “Os Waltons”.

Série Os Pioneiros (Little House in the Prairie) @ Divulgação

Aos sábados, saímos para passear. Como ela morava no centro da cidade, caminhávamos para ver vitrines de lojas, assistir filmes no sala de cinema ao lado da Catedral ou tomar sorvete. De vez em quando, íamos visitar seus parentes que eram donos de uma mercearia num bairro no qual precisávamos usar ônibus para chegar. Eu me lembro de todos era muito afetivos comigo.
Todo domingo pela manhã, íamos à missa. Num certo dia, uma coisa me chamou a atenção: as pessoas usavam roupas diferentes para ir a igreja. Comentei com tia Dilza. Ela respondeu que era um hábito antigo ir à missa com a melhor roupa da semana. Perguntei o motivo. Ela respondeu que era respeito a religião. Ou algo assim… Não entendi direito, mas me calei. Aquilo ficou na minha cabeça durante semanas. Quando voltei para Americana, fiz a mesma pergunta para minha mãe. Respondeu a mesma coisa. Não muito feliz com as explicações, tomei uma decisão.

Os Simpsons na igreja @ divulgação

Na próxima férias, quando fui visitar tia Dilza, avisei que não iria mais acompanha-la na igreja. Ela perguntou o motivo. Contei que achava aquele ritual de usar ‘a melhor roupa’ para ir a igreja me pareceu sem sentido. Ela não falou nada, mas respeitou minha decisão. Enquanto ela saia, eu ficava lendo revista ou livro.
Naquele momento, mesmo sem qualquer elaboração, fui despertado para a ideia que a roupa tinha muita importância. Ao mesmo tempo, que, se a pessoa tinha que vestir ‘sua melhor’ roupa, aquele não era lugar acolhedor.

Resultado: aos 12 anos rompi com igrejas e com religiões! E me apaixonei pela moda!