Morte de Brigitte Bardot reacende debate sobre o reacionarismo na Cultura Francesa

A morte de Brigitte Bardot, ocorrida no último domingo, encerra a trajetória de uma das figuras mais paradoxais e controversas da história do cinema mundial. Embora tenha sido alçada ao posto de ícone da libertação sexual nos anos 50, os capítulos finais de sua vida foram marcados por uma militância agressiva de extrema direita e por sucessivas condenações judiciais por incitação ao ódio racial.
A partida da atriz não apenas deixa um vácuo na cultura francesa, mas impõe uma reflexão profunda sobre como a imagem da liberdade feminina, outrora celebrada pela intelectualidade progressista, converteu-se em um bastião de xenofobia, homofobia e desdém pelos movimentos sociais contemporâneos.


Em 1959, a complexidade de Bardot foi analisada pela filósofa existencialista Simone de Beauvoir no ensaio Brigitte Bardot e a Síndrome de Lolita, que defendia que a atriz representava uma ruptura com a feminilidade tradicional burguesa, agindo de forma autônoma e desprovida de artifícios morais.
No entanto, o que a filósofa via como uma vanguarda da emancipação transformou-se, nas décadas seguintes, em uma forma virulenta de conservadorismo. A autonomia que Beauvoir celebrava deu lugar a um isolamento misantrópico em Saint-Tropez, de onde Bardot passou a disparar ataques contra a diversidade cultural da França, demonstrando que a sua ruptura com a tradição não era um projeto de libertação coletiva, mas um individualismo aristocrático.

Brigitte Bardot @ Divulgação

As polêmicas políticas de Bardot consolidaram sua posição como uma das vozes mais influentes da extrema direita europeia. Sua proximidade com líderes como Jean-Marie Le Pen e o apoio explícito às pautas de Marine Le Pen não foram meros flertes ideológicos, mas a base de uma retórica que lhe rendeu cinco condenações por incitação ao ódio racial.
Bardot utilizou sua plataforma para demonizar a imigração muçulmana e atacar tradições religiosas de minorias étnicas, frequentemente descrevendo populações não europeias com termos desumanizantes. Esse ativismo, muitas vezes camuflado sob a bandeira da proteção aos direitos animais, revelou-se um projeto de exclusão social que priorizava o bem-estar animal em detrimento da dignidade humana de grupos vulnerabilizados.

Gingham-Vichy Brigitte Bardot @ Divulgação

No campo dos direitos civis modernos, a atriz manteve uma postura de confronto direto contra as conquistas da comunidade LGBTQIA+ e contra o avanço do feminismo interseccional. Suas declarações homofóbicas, que lamentavam a perda de valores tradicionais, somaram-se a uma postura hostil em relação ao movimento #MeToo.

Brigitte Bardot @ divulgação

Bardot chegou a classificar como hipócritas e ridículas as atrizes que denunciavam assédio sexual, alegando que tais denúncias eram uma forma de oportunismo.
Ao rejeitar a solidariedade entre mulheres diante da violência sistêmica, Bardot traiu o próprio legado de liberdade que Beauvoir um dia vislumbrou nela, encerrando seus dias como uma figura anacrônica que escolheu o ódio e a segregação como suas últimas grandes causas públicas.

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