Sobre a polêmica indicação de Andrea Riseborough no Oscar 2023

Se você não está acompanhando o maior drama da Temporada do Oscar 2023, saiba que aconteceu uma das mais audaciosas campanhas “não pagas” das últimas décadas. Tipo: “mídia espontânea”.

O filme independente “To Leslie” garantiu a atriz britânica Andrea Riseborough uma indicação a Melhor Atriz ao lado de Cate Blanchett (TÀR), Michelle Williams (Os Fabelmans), Michelle Yeou (Tudo ao Mesmo Tempo em Todo Lugar) e Ana de Armas (Blonde).

Oscar 2023 – Indicadas a Melhor Atriz @ Reprodução

O anúncio de seu nome surpreendeu a todos, uma vez que ela não esteve em qualquer lista de premiações das associações de críticos, do Globo de Ouro, do SAG Awards e do Critics Choice. Os nomes esperados eram de Viola Davis (A Mulher Rei) ou Danielle Deadwyler (Till). O máximo que conseguiu foi ser indicada ao Film Independent Spirit Awards.

Entenda: Oscar é uma matemática! Existem sites de apostas, que diariamente publicam listas assinadas por jornalistas especializados, críticos e fãs de cinema (este editor aqui também tem o direito ao voto no Goldberby.com). Ou seja, é uma corrida com cartas marcadas!

Sendo assim, sua indicação pareceu uma quebra das normas impostas pela Academia.

Porém, diferente de outros momentos nos quais isto já aconteceu, desta vez, o assunto foi pauta de uma reunião no Conselho da Academia que aconteceu na terça-feira, 31 de janeiro, para decidir se tiraria ou não o nome da atriz da lista dos indicados. Caso isso acontecesse, seria a primeira vez na história dos 95 anos do Oscar que quatro atrizes concorreriam ao prêmio. Porém, a decisão foi manter a indicação da atriz.

Mas… O que houve?

Vamos lá: Andrea Riseborough estrelou “To Leslie”, um filme independente sobre uma mãe alcoólatra que desperdiça seu salário na loteria. Pouca gente assistiu, mas os que viram amaram sua atuação.

A produção não tinha qualquer recurso para entrar na acirrada campanha publicitária na Temporada de Premiação. Sendo assim, a atriz Mary McCormack, casada com o diretor do filme Michael Morris, mandou um e-mail para amigos da indústria pedindo ajuda na promoção da obra e da atuação de Riseborough na campanha pelo Oscar.

Na mensagem, ela pedia que as pessoas fizessem posts no Instagram sobre o filme e sugeria até hashtags.

Sally Field, Liam Neeson, Jane Fonda, Laura Dern, Catherine Keener, Geena Davis e Mira Sorvino foram alguns que usaram suas redes sociais para ajuda-la. Kate Winslet escreveu que “I think this is the greatest female performance on-screen I have ever seen in my life”. Charlize Theron, Gwyneth Paltrow, Demi Moore, Courteney Cox e Edward Norton se envolveram em sessões especiais para votantes da Academia, convocando eleitores do Oscar.

Na vitória no Critics Choice como Melhor Atriz, no polêmico discurso de Cate Blanchett, o nome de Andrea foi citado.

Cate Blanchett vence como Melhor Atriz no Critics Choice Awards 2023 @ Getty

O perfil oficial do filme compartilhou uma publicação com destaque para uma frase de crítica publicada no jornal Chicago Sun Times. Além de elogiar Riseborough, o trecho citava uma concorrente: “Por mais que tenha admirado o trabalho de (Cate) Blanchett em ‘Tár’, minha performance favorita por uma mulher foi entregue por Andrea Riseborough”, dizia o texto destacado, escrito pelo respeitado crítico Richard Roeper. O post foi deletado.

A Academia proíbe campanhas que promovam a competição entre nomes e títulos, como a menção a outros atores e filmes concorrentes em materiais de divulgação. Ela permite comunicação genérica – que custa cara – com disparos de e-mail pelos próprios servidores da entidade e via anúncios na mídia paga.

Diante da ameaça de rescisão da indicação, vários artistas se manifestaram em apoio à atriz, lembrando que produções independentes têm muito mais dificuldade em promover seus talentos, diante das campanhas milionárias dos grandes estúdios, e a única forma de haver um mínimo de equilíbrio são táticas de guerrilha.

Christina Ricci @ divulgação

Uma das mais incisivas foi Christina Ricci, que escreveu no seu Instagram sobre o do elitismo da Academia, que, na prática, estaria sugerindo que só produções milionárias teriam chances de chegar ao Oscar, enquanto um filme independente pouco visto, como “To Leslie”, jamais poderia ser aceito no clubinho das indicações por não poder pagar seu lugar.

Ela não está errada, mas não é bem assim.

Mídia espontânea

Entre o final de novembro e inicio de dezembro, associações de críticos de cinema de praticamente os 50 estados dos EUA divulgam suas listas dos melhores do ano. É muito comum encontrar filmes e atuações (entre outros) premiados por filmes independentes e com pouco recurso. Alguns nomes entram e outros não na corrida do Oscar.

O diferencial desta temporada foi a explicita campanha orquestrada pela atriz Mary McCormack que quase violou as regras impostas pela Academia e contou com o apoio dos atores envolvidos (coincidência ou não, todos são brancos). Porém, isso não é novo.

Nos anos 80, Sally Kirkland era praticamente uma figurante, até conseguir protagonizar um filme independente chamado “Anna”. A produção não tinha dinheiro para publicidade. Sendo assim, a própria atriz resolveu bancar a divulgação. No Festival de Cannes de 1987, ao encontrar o crítico Rex Reed num elevador, ela implorou para que ele assistisse ao filme. Ele assistiu, gostou e começou a elogiar sua atuação.

Sally Kirkland no Oscar 2011 @ Getty

Ela mandou cartas para os críticos da associação de Los Angeles, pedindo para assistissem ao filme. Deu tanto certo que ela empatou com Holly Hunter (Nos Bastidores da Notícia) como Melhor Atriz da premiação.

Ela pediu um favor para sua madrinha, Shelley Winters (duas vezes premiadas com o Oscar), que espalhou seu nome entre os votantes da Academia.

Conseguiu indicação e ganhou Globo de Ouro como Melhor Atriz em Drama. Também conseguiu ser indicada ao Oscar, concorrendo com Glenn Close (Atração Fatal), Holly Hunter, Meryl Streep (Ironweed) e a vencedora, Cher (Feitiço da Lua).

Numa das festas pós-Oscar, Sally contou que Gena Rowlands, musa do cinema independente, que sabia muito bem das dificuldades de se fazer um filme com poucos recursos, revelou: “Eu votei em você, Sally, mas tenho que te confessar que eu não vi o filme. Eu queria muito que você ganhasse por causa da sua campanha”.

Também é impossível esquecer os ‘anos Harvey Weinstein’, o poderoso produtor que botou o terror em Hollywood por quase três décadas. Ele está preso por condenações por violência sexual, assédio, suborno, chantagem, etc. Tudo para garantir indicações ou premiações ao Oscar de seus filmes e atrizes contratadas.

Gwyneth Paltrow ao lado de Harvey Weinstein no Oscar 1991 @ Getty

Lembre-se que Gwyneth Paltrow venceu um inacreditável prêmio de Melhor Atriz por uma atuação ridícula em “Shakespeare Apaixonado” em 1991, produção de Harvey. Ela derrotou as favoritas Fernanda Montenegro (Central do Brasil) e Cate Blanchett (Elizabeth). Anos depois, a própria Gwyneth revelou que, pós sua vitória, lutou contra a ‘Síndrome de Impostora’ (suas atuações pós este filme respondem se ela estava certa ou errada… Digamos…).

Finalizando… Andrea continua na lista das indicadas. Dificilmente ganhará. A disputa da noite será entre Cate Blanchett (TÀ) e Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo). Porém, o nome Andrea Riseborough acaba de entrar para a história como um dos maiores dramas da corrida do Oscar.