Morre Léa Garcia no dia que seria homenageada com o Troféu Oscarito

A atriz Léa Garcia morreu aos 90 anos de idade nesta terça-feira (15 de agosto), dia que receberia o Troféu Oscarito no Festival de Cinema de Gramado, Rio Grande do Sul.

“É com pesar que nós familiares informamos o falecimento agora, na cidade de Gramado, no Festival de Cinema de Gramado, da nossa amada Léa Garcia”, afirma a nota publicada nas redes sociais.

“Léa Garcia possui uma história antiga com Gramado, conquistando quatro Kikitos com ‘Filhas do Vento’, ‘Hoje tem Ragu’ e ‘Acalanto’. Com 90 anos completos, a veterana possui no currículo mais de 100 produções, incluindo cinema, teatro e televisão. Com uma célebre trajetória nas artes, foi indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes em 1957 por sua atuação no filme Orfeu Negro que, em 1960, ganharia o Oscar de melhor filme estrangeiro, representando a França”, disse a organização do festival ao anunciar a homenagem.

A atriz acompanhou as primeiras exibições do festival, que começou na sexta-feira (11).

Primeira vilã preta da telenovela brasileira

Lucélia Santos e Lea Garcia em Escrava Isaura (1976) @ Reprodução

A história da TV brasileira deve a Léa a construção da primeira vilã feita por uma mulher preta numa telenovela: a escrava Rosa, opositora da mocinha feita por Lucélia Santos, em ‘A Escrava Isaura’, escrita por Gilberto Braga.

Sua vilania foi construída a partir da não conformidade com os privilégios de uma mulher branca em detrimento às pretas ao seu redor.

Eu, ainda adolescente, quando assisti uma das reprises da novela, entendi que, sim, Rosa era invejosa, porém, também tinha consciência de que era uma mulher injustiçada e que não aceitava sua condição de excluída.

Sua inveja era real, de fato, mas reduzir suas ações apenas a isso é diminuir sua dor pela falta de oportunidade de sair daquela vida na senzala – coisa que a ‘mocinha’ teria, unicamente por que era BRANCA.

Lea Garcia em Escrava Isaura (1976) @ Reprodução

Foi sua grande atuação numa novela. Infelizmente no papel de escrava. Lamentavelmente, não teve outra oportunidade tão impactante em outros papéis na TV.

É um dos casos mais gritantes do racismo que sempre assolou o Brasil.
Ironicamente, no dia que receberia um dos maiores reconhecimentos de seu talento… Ela morre!

Sua carreira

Léa Garcia também foi uma trabalhadora do Ministério da Saúde (MS). Ingressou no órgão na década de 1960, como servidora do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENARU), no Rio de Janeiro. Destacou sua trajetória, conciliando o trabalho na saúde e a sua carreira artística. Aposentou do órgão na década de 1990 e hoje, aos 86 anos, dá lições sobre uma vida ativa na terceira idade.

Lázaro Ramos e Léa Garcia nas gravações de Mister Brau @ divulgação

Léa começou a carreira no MS no Setor de Pessoas do DENARU. A servidora destacou que o serviço público garantiu sua renda e possibilitou cuidar da família: “Esse trabalho era algo com que eu poderia contar sempre. Tinha que sustentar meus filhos. No meio artístico os trabalhos não têm continuidade”, reforçou.

Foi transferida para trabalhar no Hospital Pinel, em Botafogo, onde aliou a arte à sua função na saúde: “No Pinel me interessei pelo teatro terapêutico. Fiz um curso lá e passei a trabalhar com arteterapia. Montávamos o teatro com os pacientes e no processo eles falavam das suas questões. Muitas vezes descobríamos o motivo que os levou à loucura nesses processos. Foi muito marcante e prazeroso”, lembra.

Nessa época a servidora intercalava a rotina no hospital com a agenda de teatro e gravações nos finais de semana. Uma memória marcante foi a personagem Josephine Baker, cantora americana vivida na peça Piaf, ao lado de Bibi Ferreira – encenada em paralelo com o trabalho de arteterapia. Mas nem tudo era possível de conciliar. Léa relembra que abriu mão de alguns papéis, pela dupla rotina profissional.

https://youtu.be/PvfSsqfh0KA

Léa Garcia tem mais de seis décadas de carreira artística, somando filmes, novelas, peças e séries. Em 2004, recebeu o prêmio máximo do cinema brasileiro, no Festival de Gramado, pelo filme “Filhas do Vento”. Foi agraciada com o título de melhor atriz do longa, dividido com a colega de cena Ruth de Souza. Dentre as personagens que marcaram sua trajetória estão Rosa, da novela “Escrava Isaura”, e Serafina, do longa francês “Orfeu Negro”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1959.

Suas recentes aparições na TV foram nass séries “Carcereiros”, “Assédio” e “Sob Pressão” e “Mister Brau”.

Quando questionada sobre o segredo da atividade, a atriz revela: “O aposentado não deve parar. Mesmo que ele se aposente do seu cargo, ele pode exercer outro trabalho que mantenha sua mente ativa e acaba ajudando na saúde e também financeiramente. Não podemos nos acomodar e paralisar a vida. Faça uma caminhada, ajude em algum projeto social, se mexa”, aconselha.

(Fonte: CNN Brasil)