Sete anos depois de contar a histórica (porém, não muito tão fiel aos fatos) rivalidade entre as estrelas da velha Hollywood, Bette Davis e Joan Crawford em “Feud: Bette and Joan”, o produtor Ryan Murphy acerta ao resgatar a confusão envolvendo o escritor Truman Capote e as milionárias nova-iorquinas na década de 1970 chamadas de Cisnes – o nome veio do título do primeiro volume (Du Côtè de Chez Swann) do livro “Em Busca do Tempo Perdido” escrito por Marcel Proust em 1913.
“Feud: Capote vs The Swans”, série limitada em exibição no Star+, é baseada no livro “Capote’s Women: A True Story of Love, Betrayal, and a Swan Song for an Era”, Laurence Leamer, de 2021 – e não lançado no Brasil.

O resultado é um curioso, fascinante e melancólico mergulho na vida de uma das personalidades mais complexas do mundo das celebridades estadunidense do século passado.

Assumidamente gay numa época no qual pouca gente falava em Direitos Iguais, Truman Capote nunca escondeu quem e como era. Dono de uma voz característica, ele adorava moda e a usava a seu favor. Ele contava que se relacionou com muitos homens – incluindo alguns que acreditavam que eram homossexuais, como o ator Erron Flynn. Circulou em variados ambientes sociais, no meio da realeza, artistas, escritores, empresários, críticos, celebridades de Hollywood e da Broadway e filantropos. Também frequentava guetos, como saunas, bares e boates LGBT+.
Truman conheceu o escritor Jack Dunphy em 1948, que acabava de ser divorciar da bailarina Joan McCracken. Dez anos mais velho, ele era o oposto do exuberante Capote. Era calmo e discreto. Moraram dois anos na Sicília, Itália, antes de morarem no Brooklyn, em Nova York. Ficaram juntos – entre idas e vidas, como companheiros ou amigos – até a morte do primeiro em 1984. Em “Feud”, ele é interpretado por Joe Mantello, ator de outras produções de Ryan Murphy.
Truman Capote foi retratado nas telas em 2005 em “Capote”, dirigido por Bennet Miller e estrelado pelo premiado Phillip Seymour Hoffman (que ganhou o Oscar, o SAG Awards, o BAFTA, o Critics’s Choice e o Globo de Ouro, entre outros, pelo papel). Era um recorte da vida do escritor quando se interessa pelo assassinato de uma rica família de fazendeiros e parte para o Kansas para recolher material para escrever o livro “A Sangue Frio”, em 1966 – considerado o primeiro romance de não-ficção da história, dando início ao chamado jornalismo literário. Em 2006, voltou às telas em “Confidencial/Infamous”, interpretado pelo ator britânico Toby Jones, que retratava o mesmo período do filme anterior.
O sucesso e a repercussão internacional de “A Sangue Frio” renderam U$ 2 milhões para o escritor.

Em “Feud”, a obra é citada, porém, a temática é outra. Transitando entre momentos específicos de sua história – décadas de 1950 e 1980 – rapidamente faz uma passagem por sua infância, em 1930, quando apresenta sua mãe (numa deliciosa participação de Jessica Lange).
“Feud: Capote vs The Swan” não é uma autobiografia de Capote, pois a trama apresenta os momentos das Cisnes, que é fundamental para entender o “antes e o depois” da rivalidade que surgiu.
Confesso que o primeiro episódio demorou a me empolgar. Inicialmente, estava mais curioso para acompanhar as entradas das personagens feitas pelas atrizes (todas ótimas) que representavam as ‘Cisnes’. Porém, conforme a trama era apresentada, fui entendendo qual seria o caminho que o diretor Gus Van Saint (o mesmo de um ótimo filme “Milk”) iria seguir. Sua proposta era desnudar o máximo permitido da complexidade do personagem retratado. A partir deste momento, os sete próximos episódios foram devorados com prazer. O capítulo final, em especial, o lado mais melancólico do mesmo foi mostrado com maestria.
Piloto
“Era perfeita. Fora isso? Era perfeita”, palavras de Truman Capote sobre Babe Paley

Alguns meses antes de sua morte em agosto de 1984, o escritor Truman Capote (Tom Hollander. numa sensacional composição) estaciona seu carro num parque. Desce e caminha para observar cisnes brancos e um único preto nadando num lago.
Corta. O ano é 1968. Capote caminha rapidamente para se encontrar com sua amiga Babe Paley (Naomi Watts, em seu melhor papel desde 2013 no filme “O Impossível”, que rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz), que está em prantos. Ele entrega dinheiro para as empregadas do luxuoso apartamento saírem do local.
Ao ficarem sozinhos, Babe conta que, quando estava em Paris escolhendo um modelo na Maison de Hubert de Givenchy, sentiu falta de seu marido, Bill Paley, dono da rede de TV CBS (Treat Willians, que faleceu meses depois de concluir sua participação na minissérie). Ao voltar, o encontrou limpando o chão do sangue deixado por uma amante, Happy Rockefeller, esposa do bilionário Nelson Rockefeller. Intencionada a provocar uma intriga, a fofa foi visita-lo para transar. Detalhe: ela estava menstruada. E fez questão de deixar ‘marcas’ pelo apartamento! Fina.
Choramingando, Babe revela que deseja se divorciar. Truman a aconselha a não fazer isso. Aponta tudo o que iria perder – principalmente o fato dela também está na Menopausa… O marido é o homem mais poderoso dos EUA… As casas nas Bermudas, Coral Gables, Londres… E as obras de arte de alto que poderá exigir do marido, com Van Gogh, Gauguin, Matisse… Como desculpas pelo ocorrido. Ele oferece um Vallium. Ela toma com uísque. Eles vão para a suíte. Tira as joias e se deita numa chaise lounge. Carinhosamente, ele se deita ao seu lado até ela adormecer. Antes, ela diz que a única pessoa no mundo que nunca a magoaria seria ele. Truman responde: “Isto não aconteceria nem em um milhão de anos”.
Babe Paley e Capote

Voltamos a 1955. Durante uma reunião em sua emissora, Bill Pasley recebe uma ligação do produtor de cinema David O. Selznick (o mesmo de “… E o Vento Levou”), perguntando se poderia levar ‘Truman’, na viagem que farão para Montego Bay (Jamaica). Acreditando ser o ex-presidente dos EUA, Harry Truman, Bill aceita. Qual não é sua surpresa quando entra no jatinho o afetadíssimo Truman Capote? Passado o susto, graças a seu humor peculiar, chama a atenção de Babe Paley. Ele se torna a grande atração do jantar que se segue. O encanto é tanto que Bill para Babe o colocar em sua lista para os próximos eventos.
Antes de se tornar a Abelha Rainha da Alta Sociedade dos EUA (ao se casar com o dono da rede CBS), Barbara ‘Babe’ Cushing nasceu numa família rica de Boston. Trabalhou como Editora de Moda na Vogue América por 10 anos. A Revista Time a elegeu a segunda mulher mais elegante do mundo em 1958 (atrás apenas de Jackie Kennedy) e por 14 anos figurou na Lista das 10 Mulheres Mais Bem Vestidas do Mundo criada pelo New York Dress Institute. Ela era uma trend setter. Foi a primeira a colocar a amarrar o lenço na alça de sua bolsa – imitada por mulheres até hoje. Também foi a primeira a misturar joias com bijuterias – percussora do estilo high and low.

Entre o lançamento de seu primeiro livro, “Outras Vozes, Outros Lugares” e o sucesso internacional com a adaptação para as telas de sua novela “Bonequinha de Luxo/Breakfast At Tiffany’s” (eternizado por Audrey Hepburn), Truman Capote ganhou um bilhete para conquistar um lugar entre as pessoas mais ricas de Nova York.
Com aval de Babe Paley, ele se tornou amigo de outras milionárias, como Slim Keith (Diane Lane), C.Z. Guest (Chloê Sevigny) e Lee Radziwill (Calista Flockhart), entre outras, que ele apelidou de “Cisnes” – como citado acima.
Por duas décadas, Truman frequentou o exclusivíssimo universo do glamour, luxo, intrigas e fofocas, especialmente as reveladas no restaurante Le Cotê Basque (1950-2004). Neste período, além dos citados trabalhos, ele escreveu para revistas, peças teatrais, roteiros de cinema e o sucesso “À Sangue Frio”.
Suicídio social

Em 1975, recebeu um adiantamento de U$ 1 milhão para escrever “Súplicas Atendidas”, obra inspirada em “Em Busca de Tempo Perdido”, de Marcel Proust, na qual Truman pretendia retratar sua versão da vida das Cisnes. Pressionado a devolver parte do adiantamento, permitiu que a revista Esquire publicasse os quatro capítulos até então escritos.
O primeiro foi “Mojave”, que foi bem recebido. Em novembro daquele ano foi publicado o segundo capítulo chamado “La Côte Basque 1965”. Apesar dos nomes trocados, estava claro para todos que a farta dose de sordidez, maldade, vingança e revanchismo se referiam as conhecidas amigas e conhecidas, como gloria Vanderbilt, Carol Matthau, a família real britânica, em especial a Princesa Margareth.

Uma citada em especial chamou a atenção. Era uma versão da socialite, modelo e atriz de rádio Ann Hopkins (Demi Moore, em sua melhor atuação de sua carreira), que, mesmo sem provas, Truman a acusava de ter matado o marido. Dias depois, Ann se matou depois de tomar cianeto.
Mesmo sabendo que tudo o que foi escrito a colocava no papel de vítima de um homem tóxico e mulherengo, Babe Paley se sentiu humilhada. Ela sabia de todas as amantes do marido, porém, foi inaceitável não ter sido poupada por Truman. Sua reputação foi destruída. Ela jamais o perdoou e nunca mais permitiu se encontrar com ele.
Foi o suicídio social de Truman Capote. Talvez ele soubesse que aquilo pudesse acontecer? Que, mesmo ricas e aparentemente intocáveis, elas o perdoariam? Ou que, sentindo-se mais poderoso que realmente era aquilo seria aceito?
Lembrando que ele adorava aquele estilo de vida que estava criticando, sua proposta seria criar uma versão estadunidense do livro de Marcel Proust, fazendo uma reflexão da vida e da sociedade, expondo suas futilidades por trás das fachadas de glamour, riqueza e poder. Porém, ele realmente avaliou as consequências?
A certeza foi que, com isso, ele mergulhou numa longa fase de abuso de drogas e álcool, que ele combateu até sua morte em agosto de 1984. E o livro jamais foi publicado.

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