Documentário sobre Faye Dunaway na plataforma MAX

No programa “The Tonight Show”, em 01 de julho de 1988, o apresentador Johnny Carson perguntou a Bette Davis “Qual a pior atriz que trabalhou e não voltaria a trabalhar?”. Ela respondeu: “Nem por um milhão, Faye Dunaway. Qualquer um que se sentar nesta cadeira vai dizer a mesma coisa”.
Se Bette exagerou ou não, o fato é que Faye é uma das atrizes mais controversas de Hollywood. Este é um ponto inicial do documentário “Faye Dunaway – Entre Luzes e Sombras”, dirigido por Laurent Bouzereau, que está disponível na plataforma Max. É uma oportunidade para ouvir seu lado dos fatos. Se você vai ou não acreditar, é outra estória.

Dois anos atrás, quando anunciaram sua participação em “The Man Who Drew God (O Homem que Desenhou Deus)”, o filme que marcava o retorno de Kevin Spacey às telas quatro anos depois de receber várias acusações por assédio sexual, ela disse:

“Sim, sou uma pessoa difícil, mas pelo menos assim vocês prestam atenção em mim”.

Dorothy Faye Dunaway nasceu em 14 de janeiro de 1941, em Bascom, um bairro pobre na fronteira da Flórida com o Alabama cujas ruas não eram asfaltadas. Segundo a lenda, uma tarde ela se encontrou com a estrela de cinema Gene Tierney, a protagonista do clássico do cinema noir Laura (Otto Preminger, 1944), e compreendeu seu destino.

“Minha mãe tinha uma ambição para mim: que fosse a melhor”, contou a atriz à revista Vanity Fair. “Tudo se centrava em mim, de modo que eu queria ser perfeita, o que me fez intensa e motivada”.

Estudou dança, sapateado, piano e canto até se graduar em artes cênicas na Universidade de Boston. Em 1962, estudou na National Endowment for the Arts – uma agência governamental que apoiava as artes. Em seguida participou de algumas peças teatrais e séries de TV.

Faye Dunaway @ reprodução

Seu primeiro filme foi “Acontece Cada Coisa”, de 1967, com direção de Elliot Silvertein e o segundo foi “O Incerto Amanhã”, do diretor Otto Preminger. Entrou em contato com o diretor Arthur Penn para fazer um teste pelo papel de Bonnie Parker em “Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas”.
Estrelas da época, como Jane Fonda, Ann-Margret, Carol Lynley, Leslie Caron e Natalie Wood queriam o papel. Penn adorou seu teste e fez de tudo para convencer Warren Beatty, protagonista e produtor. Ele só empolgou quando viu fotos dela feitas por Curtis Hanson na praia. Mesmo assim, exigiu que ela fizesse uma severa dieta para perder 12 quilos.
Deu certo. Assim, ela conseguiu o disputado papel para atuar ao lado de Beatty, Gene Hackman e Estelle Parsons (que ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel).

“Ninguém gostava de Faye”, contou Estelle ao jornal Telegraph. “Sempre que estávamos prontos para filmar uma cena ela exigia que a penteassem novamente. Claro que não quero imaginar como uma mulher nessa situação se sentiria”. Estelle se referia o sofrimento de Faye para conseguir o papel.

“Bonnie & Clyde” se transformou em um desses fenômenos triplos que quase nunca acontecem: sucesso de crítica, triunfo comercial e referência cultural. Na semana seguinte de sua estreia, a venda de boinas estilo beret aumentou 1.300%. Além da boina, os figurinos assinados por Theodora Van Runkle fortemente influenciaram a moda da época.

Faye Dunaway e a boina de Bonnie & Clyde @ Reprodução

Aos 26 anos, ela conseguiu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Atriz, ganhou o BAFTA de Melhor Estreante e um David di Donatello (O Oscar do cinema italiano) de Melhor Atriz Estrangeira.

“Bonnie é o personagem mais próximo a mim em muitos sentidos: uma garota de cidade pequena que veio do nada, faminta e desejando prosperar, desejando fazer algo importante, desejando fazer sucesso”, disse a atriz à revista Esquire.

Dunaway renunciou à metade de seu salário em troca do seu nome aparecer nos créditos, como o de Beatty, antes do título do filme. Foi um acerto: virou uma estrela internacional.
O filme inaugurou a ‘Nova Hollywood’, um movimento cinematográfico sexy, violento e sofisticado que aplicava o estilo da Nouvelle Vague à mitologia norte-americana nos anos de 1960. E Faye Dunaway se tornou sua musa.

Faye Dunaway em Crown, o Magnífico @ Reprodução

Fez muito barulho ao lado de Steve McQueen em “Crown, o Magnífico”, também usando belíssimos figurinos assinados por Theodora. A magreza de Faye foi motivo de apelidos dados pelo ator.

Faye Dunaway em Confissões de uma Modelo @ reprodução

Em 1970, ela estrelou “Confissões de uma Modelo”, que a fez mergulhar em profundos momentos de tristeza.

Faye Dunaway em Chinatown 1974 @ Reprodução

Conseguiu o papel de Everlyn Mulwray em “Chinatown”, em 1974, ao lado de Jack Nicholson, que se tornou outro momento célebre nas telas.
Muitas estórias nebulosas rondam as filmagens deste clássico da década de 1970. Entre elas: depois de começar a rodar uma cena, um teimoso fio de cabelo de atriz insistiu em sair do lugar. Mesmo com a tentativa da cabeleireira, ele continuava a incomodar. O diretor Roman Polanski dá a volta no set, se aproxima da atriz e arranca o fio. Isso provocou uma enorme confusão no set, quando ambos começaram uma terrível discussão. Possessa, ela foi ao trailer. Só saiu quando a figurinista colocou um chapéu. Voltou ao set e a cena foi feita.
Ela exigiu que ele fosse demitido. Lógico que isso não aconteceu. Polansky era um dos nomes mais quentes entre os diretores da época.
Noutra noite, Polanski não interrompeu uma tomada para deixa-la ir ao banheiro. Sendo assim, ela fez xixi num copo plástico e o jogou em seu rosto.

“Roman considerava que era preciso infligir dor para fazer algo bom. Seu sadismo ia do físico ao emocional. Não fosse pelo cabelo, era pela incessante crueldade, o constante sarcasmo, a infinita necessidade de me humilhar”, se lamentou Dunaway ao The New York Times.

Entre os diretores que a defenderam foram Sidney Lumet e Elia Kazan.

“Meu perfeccionismo surge porque meu trabalho consiste em conquistar algo maravilhoso e utilizo toda a minha inventividade, minha coragem e minha mente para tentar que seja especial. Para isso as pessoas vão ao cinema, para ver algo especial”, se defendeu ela.

Apesar do sofrimento, o filme foi outro sucesso internacional. Foi indicado a 11 Oscar, levando de Melhor Roteiro Original e Faye conseguiu sua segunda indicação de Melhor Atriz. Porém, também ganhou fama de ser uma pessoa difícil de trabalhar.

Auge do sucesso

Quando recebeu o roteiro de “Rede de Intrigas”, seu marido na época, o cantor Peter Wolf, da The J. Geils Band, a alertou qual seria o impacto de representar uma mulher tão fria e calculista. Dirigido por Sydney Lumet, Faye interpretou uma feroz produtora de um programa de TV que não pensa duas vezes ao concordar com o rumo sensacionalista de um telejornal. Ela aceitou o papel.

“Por que fez esse personagem como uma mulher? Se fala como um homem e se comporta como um homem”, a atriz perguntou ao roteirista Paddy Chayefksy. “Porque precisava de uma história de amor”, respondeu ele.

Ganhou o Oscar de Melhor Atriz pelo papel.

“Nunca esquecerei o momento de escutar meu nome e o que senti. Foi, sem dúvida alguma, uma das noites mais maravilhosas da minha vida. O Oscar representava o epítome do que eu havia sonhado e pelo que eu sofri desde que era uma garota. Era o símbolo de tudo o que eu pensava que queria como atriz”, escreveu em suas memórias.

Oscar 1977 Faye Dunaway (Rede de Intrigas) veste Geofrey Beene @ Reprodução

Diana, a produtora de TV, foi seu auge. O Oscar foi a cereja do bolo. Naquele momento, Faye Dunaway estava no auge da carreira. Contudo… Uma foto feita na noite seguinte à premiação em março de 1977, tornou-se polêmica.
Assinada pelo fotógrafo Terry O’Neill, que se tornaria seu marido anos depois, ela aparece sentada ao lado da piscina do Hotel Beverly Hills com seu Oscar numa mesa e dúzias de jornais espalhados pelo chão. A repercussão da imagem foi enorme. Ganhou o nome de “A Manhã Seguinte”.

Faye Dunaway por Terry O’Neill

A foto foi interpretada como símbolo da ironia de Hollywood: uma atriz recebeu uma quantidade desproporcional de atenção e, entretanto, estava sozinha ao voltar para casa. Também foi apontada como alguém que ‘parecia ser importante, mas no fundo, só se preocupa em conquistar frivolidades. E também o questionamento: “E agora, o quê?”.
Lembrando que o ano era 1977. Ninguém sonhava que existiria internet, “X” (ex-Twitter), perfis ou sites de fofocas.

Mamãezinha Querida

Em seguida, ela estrelou um filme para TV chamado ‘O Desaparecimento de Aimee’. Era uma época na qual o sonho de astros e estrelas era ‘fazer cinema’ para começar a ser respeitado entre seus pares. Televisão era considerada um veículo para perdedores. Ou seja, foi muito criticada.

Em 1978, estrelou o ótimo “Os Olhos de Laura Mars”, elogiado thriller de Irvin Kershner, no qual interpretou uma famosa fotógrafa que desenvolveu a habilidade de enxergar pelos olhos de um assassino. Outro sucesso da época foi o drama “O Campeão”, ao lado de Jon Voight e Ricky Schroder (que roubou a cena como a criança carismática T. J.).

Faye Dunaway como Joan Crawford @ Divulgação

Porém, sua vida estava prestes a dar uma guinada. Ela aceitou o convite para interpretar Joan Crawford, grande estrela da Hollywood de 1940 em “Mamãezinha Querida”. Era uma adaptação do livro homônimo escrito por Christina Crawford, que descrevia os abusos sofridos em sua infância por uma problemática mãe. Lembrando que pouca gente falava sobre Doenças Mentais ou Abusos Infantis naquela época.
Ao anunciar seu nome na obra, a respeitada crítica de cinema Pauline Kael escreveu no The New York Times que o papel renderia seu segundo Oscar de Melhor Atriz.
A própria Faye estava empolgada e admitiu sua identificação com Crawford:

“Ela era uma garota pobre e sem estudos do Meio Oeste. E se transformou em Joan Crawford. Ela criou a si mesma. Às vezes achava que estava de volta a Oklahoma. Uma vez desmaiou porque o vento no set a lembrou de Oklahoma”.

Produtores e o diretor (Frank Perry) asseguraram que (o filme) seria um estudo de personagem e uma reflexão sobre o poder insidioso da fama, não de uma recriação sensacionalista.
Porém, o roteiro ‘não era bem isso’. Apesar de excelente caracterização (incríveis trabalhos de maquiagem, cabelo e figurinos), ninguém (crítica e público) gostou de ver a grande estrela de Hollywood como uma megera ensandecida batendo na filha com cabides de arames ou surtando por qualquer outro motivo. Foi um fracasso de bilheteria. Pior: a atuação de Faye foi considerada exagerada e histriônica.
Hollywood é uma indústria de cinema. Ver uma de suas crias ser retratada com tamanha crueza não era aceitável na década de 1980.

A ladeira abaixo chegou com um Razzie de pior atriz pelo papel. Demorou décadas para a cultura Pop resgatar o filme como Cult. Principalmente com a redenção entre as drag-queens, que não se cansam em reproduzir os piores momentos da personagens em shows nos palcos e em programas de competição, como “RuPaul’s Drag Race”.

“Após Mamãezinha Querida minha própria personalidade e a lembrança de meus outros personagens se perderam na cabeça do público e de muitas pessoas de Hollywood. Foi uma interpretação. Nada mais. Mas as pessoas acreditaram que eu era como ela”, lamentaria em suas memórias.

Mamãezinha Querida” gerou um efeito metanarrativo: uma diva ególatra interpretando uma diva ególatra em um filme que conseguiu ridicularizar as duas e arruinar suas reputações.
TV e Teatro
“Mamãezinha Querida” foi um caos em sua carreira. Sem opções, abraçou todas as oportunidades que encontrou em séries, minisséries e filmes para TV. Erando na maioria das escolhas e repetindo esquemáticos papéis de vilãs ou de mulheres pérfidas, como em “A Perversa”, de 1983, no qual sua personagem ‘chicoteia’ seus inimigos.

Faye Dunaway e Mickey Rourke em Barfly (1987) @ Reprodução

Uma sobrevida surgiu em 1987 com o filme independente “Barfly: Condenados pelo Vício”, que atuou ao lado de Mickey Rourke. Sua atuação garantiu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama. Seu nome voltou a circular.
Na sequência, ganhou um pequeno papel em “Gia”, filme que garantiu o estrelato para Angelina Jolie, em 1999. Ela empatou com a atriz Camryn Mainhein (“O Desafio”) como Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Filme Feito p/ TV no Globo de Ouro. Era visível a surpresa da atriz ao receber o prêmio.

Escalada para substituir Glenn Close na montagem em Los Angeles do musical “Sunset Boulevard”, em 1994, foi demitida pelo autor Andrew Lloyd Weber semanas antes da estreia. Justificativa: decepção com o pouco talento vocal da atriz.
Recebeu elogios com sua volta aos palcos com a peça “Master Class”, no qual interpretava Maria Callas. Resolveu levar a estória para as telas, onde seria a protagonista e a diretora. Sua experiência anterior em direção se restringiu a um curta metragem baseado na obra de Tennesse Willians. Poucas semanas depois de começar a filmar, o filme foi cancelado por falta de dinheiro. Foi devastador para Faye. Anos depois, ela entendeu que outra pessoa – com mais experiência – deveria ter dirigido o filme.
Em 2019, também foi demitida da peça “Tea at Five”’, na qual interpretava Katherine Hepburn, após várias semanas de problemas com seus colegas que relataram ao The New York Post: chegava horas atrasada, proibia que a olhassem (incluindo o diretor e o dramaturgo), exigia que ninguém usasse roupa branca, utilizava escovas, espelhos e caixas de grampos como armas projéteis. Jogava as refeições no chão quando não gostava. Esbofeteou uma camareira que tentava colocar sua peruca. Ordenava que limpassem seu camarim de joelhos. E seu assistente a denunciou por abusos emocionais e insultos como “pequeno homossexual”.

Festival de Cannes e Oscar 2017

Faye foi homenageada no Festival de Cinema de Cannes em 2011 quando seu rosto ilustrava o cartaz oficial do evento. A foto usada foi feita em 1968 por Jerry Schatzberg.

Faye Dunaway no cartaz do Festival de Cannes @ Reprodução

Em 2017, ao lado de Warren Beatty, Faye esteve envolvida no maior escândalo da história da cerimônia do Oscar, quando (supostamente) houve uma troca de envelopes no anúncio do melhor filme. Anunciaram ‘La La Land’, mas o vencedor era ‘Moonlight’.

Faye Dunaway e Warren Beatty Oscar 2017 @ Reprodução

“Faye nos mostrava em seu celular uma foto do cartão que deram a ela, temia que as pessoas culpassem sua idade pelo erro”, contou uma pessoa que estava na cerimônia.

No documentário da HBO MAX, Faye revela problemas com o alcoolismo e a bipolaridade, doenças sem cura relacionadas ao desequilíbrio mental. Os diagnósticos aconteceram tarde
Também que passou 15 anos entrando e saindo de clinicas de recuperação do vício. Hoje, aos 83 anos, Faye Dunaway afirma que está corretamente medicada.
E aí, você acredita?

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