A história da Disco Music – surgimento, auge e declínio

A excelente série limitada ‘Halston’ (2021), no catálogo da Netflix, resgatou o interesse pelo Studio 54, o mítico club de Nova York, que eternizou a Disco Music, estilo musical que marcou a década de 70.

Origem

Assim como outros gêneros musicais, não é possível afirmar com exatidão seu nascimento, mas, suas origens remetem aos anos 60. Naquela época, a Black Music passava por grandes transformações. Apesar de sua força criativa, dificilmente chegava ao grande público.
Era uma época de grandes conflitos raciais, com uma distinção muito clara entre o que era cultura para brancos e negros.
Conforme o movimento pelos direitos igualitários ganhava força, aos poucos, os negros estadunidenses começaram a ganhar espaço no universo dominado por brancos. A Soul Music engatinhava seus primeiros passos ‘fora da casinha’.
Naquela época, produtores, arranjadores e maestros começaram a criar sons, que se diferenciavam pelo aumento do tempo do compasso e do uso de cordas, adicionando energia e excitação. As batidas ritmadas como a do coração, a percussão abundante, os arranjos vocais requintados, arranjos rítmicos de alto trompete e de corda foram os primeiros fundamentos do que se tornaria a Disco Music.
Outros músicos acrescentaram novos arranjos com instrumentos de sopro, flautas, trompetes e cornetas. Era o nascimento do Funk – estilo que se caracterizava por uma batida que tinha um tempo próprio, elementos percussivos mais sofisticados e o sax.
Uma vez que o soul e o funk já estavam incorporados pelo público negro, faltava um elemento que definiria o gênero: o jazz. Utilizando uma percussão mais latina, ele envolveu o soul com um sentimento mais pop. Esta união ‘soul’+’funk’+’jazz resultou na Disco Music.
A primeira gravadora responsável pelo movimento foi a Salsoul Records, na Filadélfia, que misturava música latina, salsa, soul e arranjos orquestrais.
O cenário pop era dominado pela grandiloquência dos grupos de rock progressivo, com álbuns que flertavam com a música erudita. Começou a mostrar sinais de cansaço no público, que deseja por algo menos conceitual. Enquanto na Inglaterra explodia o movimento Punk, com os jovens usando roupas de couro preto, cabelos raspados e contestando violentamente os valores da sociedade, nos EUA, os ares eram outros. Era o momento da vibração sexy, leve e contagiante da Disco Music.
Soul Train @ Divulgação
Soul Train @ Divulgação

Mídia

A revista Rolling Stone escreveu o primeiro artigo sobre o gênero, em setembro de 1973, assinado pelo jornalista Vince Lettie. Um ano depois, Nova York inaugurava a WPIX-FM, a primeira rádio exclusiva de disco music.

A televisão apresentou o gênero para as famílias da classe média do pais. Criado por Don Cornelius em 1971, o programa de televisão ‘Soul Train’ foi o primeiro a mostrar a transição dos artistas do Soul para a Disco. Ele ficou 35 anos no ar.

Na sequência surgiram ‘Disco Step-by-Step Television Show’, ‘Disco Magic/Disco 77’, ‘Soap Factory’ e ‘Dance Fever’, apresentado por Deney Terrio – creditado como preparador musical de John Travolta para seu papel em ‘Os Embalos de Sábado à Noite’.

Os templos

Nos primeiros anos da década de 1970 em Nova York, existiam as disco clubs (discotecas), frequentadas por lgbtq+, negros e latinos. Estes lugares garantiam a diversão sem o julgamento social ou a perseguição policial. No meio da década, elas ganharam espaço nas principais cidades estadunidenses.

Pista do Studio 54 @ divulgação

Com a inauguração do Studio 54 em abril de 1977 em Nova York, o termo Disco (abreviação do francês Discothèque) ganhou o mundo. Outras casas foram a ‘Xenon’, ‘The Loft’, ‘Paradise Garage’, ‘Copacabana’ e o ‘Aux Puces’ – uma das primeiras voltadas exclusivamente aos LGBTQ+.

Rod Stewart e Cher no Studio54 @ Rex Features

O gênero ganhou tanta força, que algumas cidades criaram cursos ministrados por dançarinos profissionais para ensinar os passinhos aos interessados em se tornarem reis ou rainhas das pistas de dança.

Primeiros Hits

Mesmo não sendo conhecida como uma canção disco, ‘Love Train’ (1972), do grupo The O’Jays, é considerada a primeira representante do gênero. Ela chegou a Billboard Hot 100.

Em 1974, ‘Love’s Theme’, de Barry White se tornou a segunda canção disco a atingir a parada. No mesmo ano, ‘Shame, Shame, Shame’ (Shirley & Company) e ‘Rock The Boat’ (Hues Corporation) ganharam espaço nas rádios.

Somente em 1975, com a canção ‘The Hustle’ (Van McCoy), que a Disco Music chegou nas pistas de dança. A canção liderou o chart da Billboard, a 3ª posição no Reino Unido e ainda ganhou um Grammy. Também foi o ano de ‘Kung-fu Fighting’ (Carl Douglas – single mais vendido), ‘Rock Your Baby’ de George McCrae e ‘Never Can Say Goodbye’, de Gloria Gaynor – regravação do grupo d The Jackson 5’s, que se tornou a primeira canção a figurar na recém-criada categoria ‘Dance’ da revista Billboard, na qual permaneceu por quatro semanas.

Apesar de produzida um ano antes, ‘Shame, Shame, Shame’ voltou as paradas. . Também foi o ano de ‘Get Down Tonight’, da banda americana KC and The Sunshine Band, que lançaria outros hits dançantes nos próximos quatro anos.

A Rainha

Donna Summer @ Reprodução

Em 1975 surgiu aquela que ganharia o título de Rainha da Disco Music: a cantora e compositora Donna Summer. Produzida por Giorgio Moroder, ela gravou a canção ‘Love to Love Your Baby’, que continha uma série de reproduções de orgasmos. Inicialmente, o produtor não dava nada para a canção, mas quando ela começou a tocar nas pistas de dança, rapidamente se tornou uma sensação, garantindo quatro semanas no primeiro lugar no chart da Billboard. Com o sucesso, a canção ganhou uma versão de 17 minutos.

Nos próximos cinco anos, Donna cravou 10 canções no primeiro lugar na parada dance. Outros nomes femininos tiveram destaques, como Thelma Houston, Diana Ross (que já fazia sucesso desde 1960 com vocalista do The Supremes), Grace Jones, Alicia Bridges, Tina Charles, Yvonne Ellimar, France Joli, entre outras. Sylvester foi a primeira artista trans a conseguir espaço com os clássicos “You Make Me Feel (Mighty Real)” e “Do You Make Funk”

Álbum Mais Vendido

No dia 14 de dezembro de 1977 estreava nas telas do cinema ‘Os Embalos de Sábado à Noite’, que contava a estória de Tony Manero, um vendedor de loja de New Jersey que se transformava em rei nas pistas de dança.
Estrelado por John Travolta, o filme custou parcos U$ 3.5 milhões e rendeu U$ 237.113.184 milhões. Foi o fenômeno da cultura pop da década, influenciando música, comportamento, moda, beleza, etc.
Os Embalos de Sábado à Noite @ divulgação_1

Produzida pelo grupo australiano Bee Gees, a trilha sonora entrou para a história por vender 15 milhões de cópias e ganhar quinze discos de platina. Até 1992, era a mais vendida da história até o lançamento do álbum do filme de ‘O Guarda-Costas’, com Whitney Houston.

Agregados

Village People, Chic, Santa Esmeralda, Boney M e uma infinidade de outras bandas brilharam nos seis anos de sucesso do ritmo, que despertou o interesse de artistas de outros estilos, como do grupo sueco ABBA, que ganhou o mundo com ‘Dancin’Queen’, ‘Gimme, Gimme, Gimme’ e ‘Voulez-Vous’.

Outros que também se jogaram no gênero foram Blondie (‘The Heart of Glass’), Cher (‘Take Me Home’), ‘Rod Stewart (‘Da Ya Think I’m Sexy’), George Benson (‘Give Me the Night’), Elton John (‘Don’t Go Breaking My Heart’, ao lado de Kiki Dee), Barbra Streisand (‘No More Tears’, ao lado de Donna Summer) e The Jackson 5 (‘Shake Your Body’ e ‘Blame it on the Boogie). A citada diva Diana Ross lançou alguns sucessos na época, como ‘Love Hangover’, ‘The Boss’ e ‘I’m Coming Out’.

A moda

Studio 54 Cher @ Reprodução
Também conhecida como Era do Brilho, a Disco Music apostou nas cores espalhafatosas, nos lamês e strass. O cetim e a seda evocavam o glamour dos anos 20. No comportamento hedonista dos jovens, os macacões sem sutiã, os tops, vestidos frente única, calças boca de sino, coladas e transparentes permitiram que as mulheres tivessem liberdade para se produzir, mas sem esquecer que as roupas deveriam se segurar até o final da noite.

Entre os ícones, sapatos plataforma, meias lurex, lantejoulas, purpurina, shorts, camisas masculinas com maxi golas – usadas quase abertas para revelar os pelos do peito – sinal de masculinidade e sexualidade.

Dancin’ Days

Sonia Braga em Dancin’ Days (1978) @ Reprodução

No Brasil, o sucesso da Disco Music ganhou força com a estreia da novela “Dancin’ Days”, produzida e exibida pela TV Globo de 10 de julho de 1978 a 27 de janeiro de 1979. Escrita por Gilberto Braga a partir de um argumento de Janete Clair e estrelada por Sonia Braga, Joana Fomm, Antônio Fagundes, Pepita Rodriguez, Reginaldo Faria, Glória Pires, Lauro Corona e Lídia Brondi, foi um sucesso nacional.

A estória da ex-presidiária Júlia Matos (condenada por atropelar acidentalmente um homem durante a fuga a um assalto a um banco) que sofre horrores para tentar se aproximar da filha, que foi criada pela irmã socialite. A guinada da personagem acontece quando faz uma viagem internacional financiada por um homem rico e apaixonado, possibilitando uma radical mudança visual e na sua auto-estima.

Sua volta acontece durante a inauguração da discoteca Dancin’ Days’, onde Júlia surpreende a todos. É a virada da personagem.

O final

A Disco Music gerou US$ 8 bilhões por ano para indústria musical estadunidense. Em 1978, as estações de rádio Disco alcançaram os maiores índices de audiência. No entanto, em 1979, o gênero dava sinais de esgotamento. Em 12 de julho, a coisa degringolou.
Steve Dahl, um DJ de Chicago, convocou fãs de rock para queimar álbuns de Disco Music no intervalo de uma partida entre os times de basebol Chicago White Sox e Detroit Tigers, no Comiskey Park. Foi uma confusão sem fim. A polícia fez diversas prisões e contabilizou a quase destruição do campo. O evento ficou conhecido como ‘Disco Demolition Night’, ou o ‘dia que a disco morreu’.
Cena do documentário Disco Demotion Night @ Reprodução

No dia 19 de julho, os seis discos mais vendidos nos EUA era de canções Disco. No dia 22 de setembro, porém, eles sumiram do Top 10. Na imprensa, em tom solene, era anunciado que a Disco Music  morreu e o rock renasceu.

O sentimento anti-disco uniu fãs de rock, punk e country – que em 1980 começava a galgar os primeiros lugares nas principais paradas dos EUA. No mesmo ano foi lançado ‘Cowboy Urbano’, com Debra Winger e John Travolta como protagonistas de um romance que se passava no Texas. Ironicamente ou não, novamente Travolta viveu o auge e o fim da Era Disco, eternizando o estilo country, antes restrito apenas aos fãs do gênero no meio oeste do pais.
Debra Winger e John Travolta and Debra Winger em Cowboy Urbano @ Hulton Archive/Getty Images
Outros fatores também contribuíram para o declínio do gênero: a crise econômica e política nos Estados Unidos, as críticas ao estilo de vida hedonista e aos exageros dos frequentadores das discotecas e… Um levante homofóbico e racista que uniu feministas, punks, roqueiros, puritanos e reacionários.
Depois de toda a confusão orquestrada no estádio de Chicago, o DJ Steve Dahl  negou qualquer ideia de racismo ou homofobia. Porém, era tarde demais. A coisa saiu totalmente do controle.
No final de 1979, a indústria musical contabilizava as piores vendagens da década. 
Harold Childs, vice-presidente da A&M Records contou ao Los Angeles Times que ‘As rádios estavam desesperadas pelos produtos do rock. Eles estavam procurando por algum rock-n-roll branco’.
Sobre isto, a cantora Gloria Gaynor afirmou que a indústria da música americana destruiu a Disco porque produtores de rock estavam perdendo dinheiro e os roqueiros estavam sendo deixados de lado.

O legado

Apesar disso, a Disco Music tentou uma sobrevida. Nos EUA, ela estava morta, eliminando do mapa uma centena de artistas solos ou grupos. Na Europa, porém, ela continuava a ter interesse.
Na realidade, ela foi se modificando ao longo dos anos, incorporando novas tecnologias e se revitalizou com a forte influência na música eletrônica, como o House, Techno, Trend, Acid, além do Rap e do Funk. O estilo deixou de ser chamado de ‘Disco’ para se tornar ‘Dance’. O mesmo ocorreu com as Discotecas, que ganharam o nome de Danceteria. A partir dos anos 90, o nome ‘Club’ definiu esse tipo de casa.
Clash Club @ Divulgação

Confira as 100 principais canções que marcaram a época (além de outras pós-disco):

1974
Barry White (Love’s Theme)
Barry White (You’re The First, The Last, My Everyting)
Carl Douglas (Kung-fu Fighting)
George McCrae (Rock Your Baby)
Gloria Gaynor (Never Can Say Goodbye)
Hues Corporation (Rock The Boat)
Shirley & Company (Shame Shame Shame)
1975
Donna Summer (Love To Love You Baby)
KC & The Sunshine Band (Get Down Tonight)
KC & The Sunshine Band (That’s the Way I Like It)
LaBelle (Lady Marmalade)
Penny McLean (Lady Bump)
The O’Jays (I Love Music)
Tina Charles (You Set My Heart On Fire)
Van McCoy (The Hustle)
1976
ABBA (Dancing Queen)
Andrea True Connection (More More More)
Bee Gees (You Sould Be Dancing)
Boney M (Daddy Cool)
Boney M (Ma Baker)
Candi Staton (Young Hearts Run Free)
Cerrone (Love is C Minor)
Diana Ross (Love Hangover)
Donna Summer (Could it be Magic)
Elton John & Kiki Dee (Don’t Go Breaking My Heart)
KC & The Sunshine Band (Shake, Shake, Shake)
KC & The Sunshine Band (I’m Your Boogie Man)
Silver Convention (Fly Robin Fly)
Silver Convention (Get Up & Boogie)
Tavares (Heaven Must Be Missing An Angel)
The Trammps (Disco Inferno)
Tina Charles (Dance Little Lady Dance)
Tina Charles (I Love To Love)
Vicky Sue Robinson (Turn The Beat Around)
1977
Baccara (Yes Sir I Can Boogie)
Bee Gees (Night Fever)
Bee Gees (Stayin’Alive)
Brainstorm (Lovin’Is Really My Game)
Chic (Dance Dance Dance)
Donna Summer (I Feel Love)
Giorgio Moroder (From Here To Eternity)
KC & The Sunshine Band (Keep It Comin’Love)
Loleatta Holloway (Hit and Run
Native New Yorker (Odyssey)
Roberta Kelly (Zodiacs)
Santa Esmeralda (Don’t Le Me Be Misunderstood
T Connection (Do What You Want To Do)
The Universal Robot Band (Dance And Shake Your Tamborine)
Yvonne Elliman (If I Can’t Have You)
Grace Jones (I Need a man)
1978
A Taste of Honey (Boogie Oogie Oogie)
Alicia Bridges (I Love The Night Life)
Amanda Lear (Enigma)
Blondie (Heart of Glass)
Boney M (Rivers of Babylon)
Celi Bee & The Buzzy Bunch – Macho)
Cheryl Lynn – Got To Be Real)
Chic (Everybody Dance)
Chic (Le Freak)
Cissy Houston (Think it Over)
Dee D. Jackson (Automatic Lover)
Dee D. Jackson (Meter Man)
Donna Summer (Last Dance)
Donna Summer (Mac Arthur Park)
Eruption (I Can’t Stand The Rain)
La Bionda (One for you, one for me)
Michael Zager Band (Let’s All Chant)
Peaches & Herb (Shake your Groove Thing)
Rod Stewart (Da Ya Think I’m Sexy)
Sylvester (You Make Me Feel – Mighty Real)
The Jacksons 5 (Blame It On The Boogie)
The Jacksons 5 (Shake Your Body – To the Ground)
Village People (In The Navy)
Village People (Macho Man)
Village People (YMCA)
1979
ABBA (Gimme! Gimme! Gimme!)
ABBA (Voulez-Vous)
Amii Stewart (Knock On Wood)
Anita Ward (Ring My Bell)
Ashford & Simpson (Found a Cure)
Cher (Take me Home)
Chic (Good Times)
Deniece Williams (I’ve Got The Next)
Diana Ross (The Boss)
Donna Summer (Bad Girls)
Donna Summer (Hot Stuff)
Eruption and Beautiful Precisous Wilson – One Way Ticket)
France Joli (Come To Me)
Gloria Gaynor (I Will Survive)
Kool And The Gang (Ladies Night)
Michael Jackson (Don’t Stop Till You Get Enough)
Ottawan (D.I.S.C.O.)
Patrick Hernandez (Born To Be Alive)
Santa Esmeralda Feat. Jimmy Goings (Another Cha Cha)
Shalamar (Second Time Around)
Sister Sledge (He’s the Greatest Dancer)
Sister Sledge (We Are Family)
Viola Wills (Gonna Get Along Without You Now)
Voyage (Souvenirs)
1980
Diana Ross (I’m Comin’Out)
George Benson (Give Me The Night)
Kool & The Gang (Celebration)
La Flavour (Mandolay)
Lipps Inc. (Funky Town)
Stephanie Mills (Never Knew Love Like This Before)
Viola Wills (If You Could Read My Mind)
1981
Earth, Wind & Fire (Let’s Groove)
Linda Clifford (Red Light)
1982
Boys Town Gang (Can’t Take My Eyes off You)
Evelyn ‘Champagne’ King (Love Come Down)
Patricie Rushen (Forget Me Nots)
Ritchie Family (American Generation)
(Artigo: Jorge Marcelo Oliveira)