Ao contrário da exuberância juvenil que movia as primeiras temporadas de Stranger Things, existe uma melancolia nas entrelinhas nos quatro episódios da última. Agora, o que ecoa é a memória do que foi perdido.
Esse Volume 1 abraça a maturidade da série, aproxima seus personagens de um luto coletivo e transforma Hawkins no palco de uma história de clausura, culpa e insistência — um mundo que se fecha enquanto os jovens insistem em abri-lo mais uma vez. O resultado se sustenta em uma tensão produtiva: espetáculo e intimismo, euforia pop e desgaste, nostalgia e reinvenção.
A temporada se passa em 1987, dezoito meses após a invasão do Mundo Invertido; Hawkins está sob quarentena militar, enquanto o grupo lida com perdas e reorganiza seus laços sob risco constante. Essa moldura dá densidade ao cotidiano e amarra a ação a um clima de cidade sitiada. Onze treina para um confronto inevitável e Vecna está desaparecido — uma ausência que se torna presença pela reverberação do medo e pela urgência de encontrá-lo.
A escolha de lançar os primeiros quatro episódios como um Volume 1 reforça a lógica de “movimentos” de uma ópera juvenil: cada capítulo funciona como ato que prepara a colisão final, com durações longas que se aproximam de um cinema seriado e marcam a ambição de encerrar a saga em escala épica.

Há um deslocamento do heroísmo ingênuo para uma ética do cuidado: os laços entre amigos são testados menos pela aventura e mais pela responsabilidade de proteger um lugar que já não é o mesmo. A clausura — tanto psicológica quanto geográfica — torna-se motivo e linguagem; personagens circulam entre rotas de fuga e deveres inevitáveis, exauridos e, ainda assim, movidos por uma persistência afetuosa.
A temporada assume de vez a vocação de “ópera adolescente de horror”: trauma, memória e desejo de reparação compõem um pathos que carrega o drama para além do “monstro da semana”, mirando um fim de ciclo que precisa significar algo.
Essa ambição, quando bem calibrada, traz potência; porém, quando se sobrepõe, exibe o custo estrutural de acumular arcos e símbolos demais.
Performances e dinâmica de personagens

As interpretações caminham na borda entre o rito de passagem e o cansaço: o coletivo reage como uma banda que conhece seus timbres, mas agora ensaia em tom menor, atento às rachaduras. Onze condensa o dilema central — poder como fardo, escolha como ferida —, e o grupo alterna iniciativa e hesitação conforme o cerco se aperta.
A química entre os núcleos funciona como amortecedor do peso narrativo: nas pausas, a série recorda que o motor sempre foi a camaradagem, o humor cúmplice, a capacidade de transformar medo em gesto. Essa constância afetiva sustenta o espectador quando a trama decide alongar caminhos.
Os acréscimos dos atores Nell Fisher (Holly) e, principalmente Jake Connelly, como o desbocado Derek, funcionam. O segundo conquistou carisma e língua afiada.
Por outro lado, claramente a idade dos atores originais trouxe um peso negativo nos personagens, que continuam, em essência, adolescentes ou jovens adultos.
Pensa: impossível olhar para Onze/Eleven e não se lembrar que sua interprete, Millie Bobby Brown está com 21 anos, casada e com uma filha? E a Nancy… A atriz Natalia Dyer está com 30 anos. O mesmo acontece com Jonathan (Charlie Heaton está com 31) e Steve (Joe Keery está com 33!).
Direção, estética e ritmo

A direção investe numa fotografia mais densa, cenários que exibem cicatrizes e um desenho de som que expande o terror para além do susto. O ritmo, porém, oscila entre a cadência do drama e a elasticidade do blockbuster; episódios longos pedem arquitetura precisa, e nem sempre a série encontra o espaço ideal para respirarmos sem perder tração. Quando a edição privilegia a tensão acumulativa, a temporada vibra; quando encadeia explicações e deslocamentos em sequência, a narrativa satura e dilui a força simbólica que vinha construindo. É um risco de escala que a série aceita, ciente de que encerrar um mito exige mais do que uma última batalha.
Alguns críticos apontaram um retorno ao “feitiço original” da série: a capacidade de prender o público com ritmo, tensão e encanto, numa experiência que surpreende quem perdeu a fé nas últimas temporadas. Parte da crítica celebra o equilíbrio entre precisão técnica e energia emocional, ressaltando como o clima de clausura redefine Hawkins e oferece um novo modo de habitar a mitologia da série.
Em contraponto, leituras mais severas apontam que, embora emocionalmente mais denso, o início é estruturalmente saturado, com a temporada acumulando arcos e símbolos a ponto de pressionar o fluxo da narrativa. Em comum, houve um reconhecimento na aposta estética e a ambição conclusiva, divergindo quanto à capacidade de sustentar essa escala sem perder coesão.
Altos e Baixos do Volume 1
Altos:
- Atmosfera: A clausura e o peso histórico de Hawkins dão corpo ao drama e encantam o cenário com sentido trágico.
- Engajamento: O início surpreende pela capacidade de prender, com episódios que fluem como atos de um espetáculo contínuo.
- Ambição estética: Escala cinematográfica, som e imagem alinhados a um terror que é tão emocional quanto físico.
Baixos:
- Saturação: Acúmulo de arcos e explicações que tensionam a estrutura e tornam o ritmo irregular em trechos-chave.
- Dependência da nostalgia: Em alguns momentos, o acervo de referências pesa mais que a evolução orgânica dos personagens. A gente ama “Running Up That Hill”, da Kate Bush, mas quem ainda aguenta ouvia-la nas cenas de hospital da Max?
- Diluição por extensão: Durações longas pedem rigor de montagem; quando ele falha, a tensão perde transferência e o simbolismo esvazia.
Enfim… Os quatro primeiros episódios de Stranger Things 5 operam no limiar entre rito e espetáculo: um começo que carrega o luto como linguagem, aposta na clausura como forma e ensaia um romance de fim de mundo. Quando encarna sua vocação de ópera adolescente de horror, a série encontra potência rara; quando cede à saturação, revela o preço de uma mitologia que cresceu demais.
Ainda assim, o Volume 1 cumpre o papel de reacender o interesse pelo desfecho: é um convite para assistir não apenas à última batalha, mas ao fechamento emocional de uma estória que ensinou seus fãs a transformar medo em amizade e fuga em coragem.
Os três próximos episódios estreiam no Natal e final no Ano Novo.
