A polêmica matéria do The New York Times “25 filmes, muitas estrelas, zero sucesso”

A polêmica matéria do The New York Times sobre “25 filmes, muitas estrelas, zero sucesso”, publicada em novembro, sinaliza uma ruptura do modelo clássico de Hollywood em que o star power garantia bilheteria: o fenômeno tem causas conjunturais e estruturais que afetam diretamente a lógica de consagração do Oscar, exigindo uma reavaliação das categorias, das estratégias de campanha e dos critérios de legitimidade simbólica.

Julia Roberts – Depois da Caçada @ divulgação

Considere três vetores para interpretar o fenômeno — mercado de exibição (preços, formatos e oferta), mudança de consumo (streaming, janelas e hábitos) e política de premiações (composição da Academia, critérios e visibilidade). Pergunte-se se um filme depende apenas de nomes ou se articula universo narrativo, estratégia de lançamento e relevância cultural; avalie riscos de campanha e o custo de oportunidade de lançar fora de janelas favoráveis.

Análise do mercado e do desempenho recente

Morra, Amor @ divulgação

A lista de 25 títulos citada pelo jornal reúne filmes com elencos de alto perfil (como “Depois da Caçada”, com a Julia Roberts, que entrou na lista das maiores decepções de 2025) que, ainda assim, não alcançaram público suficiente para serem considerados sucessos comerciais. Esse padrão confirma que a presença de estrelas deixou de ser fator determinante de atração massiva; campanhas e críticas positivas não têm sido suficientes para reverter salas vazias em receitas robustas.
Ao mesmo tempo, o mercado exibidor mostra polarização: grandes franquias e blockbusters continuam a dominar receitas, enquanto lançamentos médios e autorais enfrentam dificuldades crescentes para ocupar salas e janelas de exibição privilegiadas.

Preços das salas e experiência de exibição

O custo de ir ao cinema tornou-se um fator de fricção para a decisão do público. Em 2025 a média do ingresso nos Estados Unidos situou se em torno de US$ 16,08 (em São Paulo, o ingresso inteiro em salas ‘comuns’ custa uma média de R$ 30,00 a R$ 50,00, enquanto, na sala VIP Lounge do Cinépolis do JK Iguatemi custa R$ 198,00), com variações regionais e impacto crescente de formatos premium que elevam o preço médio por sessão.
Esse contexto torna a ida ao cinema uma escolha comparativa: o espectador pondera custo, conforto e oferta de conteúdo em casa, o que penaliza filmes que não oferecem diferencial experiencial claro.

Transformações no audiovisual e janelas de lançamento

Christy @ divulgação

A consolidação do streaming e a expansão de modelos AVOD e FAST alteraram a economia de atenção. Relatórios setoriais apontam crescimento contínuo do consumo em plataformas digitais e maior penetração de tiers com publicidade, reduzindo a dependência do público em deslocar se até salas para obras não franquia. Estudos acadêmicos mostram ainda que estratégias de liberação precoce em canais secundários reduzem a presença em salas e a receita teatral, pressionando o ciclo de vida comercial dos filmes tradicionais.

A (falta de) lógica do Oscar

Coda – No Ritmo do Coração @ divulgação

Faz décadas que a Academia enfrenta um cenário em que prestígio crítico e visibilidade pública podem divergir mais do que antes. Filmes estrelados que fracassam comercialmente perdem tração de campanha e visibilidade entre eleitores e público, enquanto produções de streaming ou autorais com forte presença crítica conseguem ocupar o espaço simbólico.
Isso deveria exigir que o Oscar reavalie critérios de legitimidade, amplie atenção a formatos híbridos e considere o impacto das janelas e da acessibilidade global na construção de consenso entre votantes. Porém, não tenho certeza que eles estão preocupados com isso.

Vencedores do Oscar de Melhor Filme (2000–2025) — orçamento estimado / bilheteria mundial estimada

2000 — Gladiator — US$ 103 milhões / US$ 457 milhões
2001 — Uma Mente Brilhante — US$ 58 milhões / US$ 313 milhões
2002 — Chicago — US$ 45 milhões / US$ 306 milhões
2003 — O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei — US$ 94 milhões / US$ 1,142 bilhão
2004 — Menina de Ouro — US$ 30 milhões / US$ 216 milhões
2005 — Crash: No Limite — US$ 6–8 milhões / US$ 98 milhões
2006 — Os Infiltrados — US$ 90 milhões / US$ 291 milhões
2007 — Onde os Fracos Não Têm Vez — US$ 25 milhões / US$ 171 milhões
2008 — Quem Quer Ser um Milionário? — US$ 15 milhões / US$ 378 milhões
2009 — Guerra ao Terror — US$ 15–20 milhões / US$ 49 milhões
2010 — O Discurso do Rei — US$ 15 milhões / US$ 414 milhões
2011 — O Artista — US$ 15 milhões / US$ 133 milhões
2012 — Argo — US$ 44–45 milhões / US$ 232 milhões
2013 — 12 Anos de Escravidão — US$ 20 milhões / US$ 187 milhões
2014 — Birdman — US$ 18 milhões / US$ 103 milhões
2015 — Spotlight: Segredos Revelados — US$ 20 milhões / US$ 98 milhões
2016 — Moonlight: Sob a Luz do Luar — US$ 1.5–4 milhões / US$ 65 milhões
2017 — A Forma da Água — US$ 19–20 milhões / US$ 195 milhões
2018 — Green Book: O Guia — US$ 23 milhões / US$ 321 milhões
2019 — Parasita — US$ 11 milhões / US$ 258 milhões
2020 — Nomadland — US$ 5–10 milhões / US$ 39 milhões
2021 — CODA – No Ritmo do Coração — US$ 10–12 milhões / Receita teatral limitada; grande parte do valor via licenciamento/streaming
2022 — Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo — US$ 14–15 milhões / US$ 141 milhões
2023 — Oppenheimer — US$ 100 milhões / US$ 950 milhões
2024 — Anora — US$ 6 m i l h õ e s / US$ 57 milhões.

Fontes: The Hollywood Reporter, CableTV.com, The Numbers, Comscore e Springer

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