Maior audiência da Apple TV em 2025, Pluribus, série criada por Vince Gilligan (o mesmo de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”) propõe uma reflexão sobre identidade, autonomia e o preço da paz coletiva.
A narrativa central segue Carol Sturka (Rhea Seehorn), autora de romances de fantasia, com forte apelo popular e leitores devotos que consomem suas obras de forma quase acrítica. Após uma bem sucedida turnê de divulgação de seu último trabalho, ela volta a Albuquerque, Novo México, ao lado da parceira e empresária Helen. Porém, o mundo mudou.
Astrônomos detectam um sinal de rádio vindo do espaço profundo.

Cientistas decodificam esse sinal, que acaba sendo uma sequência de RNA. Ao ser reproduzido e acidentalmente liberado, esse vírus extraterrestre se espalha globalmente, criando o evento chamado “The Joining” (A União).
Diferente de vírus que matam ou transformam pessoas em monstros (a regra básica de filmes/séries sobre zumbis), este vírus conecta as mentes humanas em uma consciência coletiva. “Os Outros” são pessoas gentis, felizes, sem conflitos e que compartilham memórias e pensamentos. O mundo atinge uma paz absoluta, mas ao custo da individualidade.
Carol descobre ser uma das 13 pessoas no mundo imune a essa condição e parte em uma busca para descobrir como reverter o fenômeno e preservar a individualidade humana.
Introduzida no segundo episódio, ela mistura simpatia e mistério, sendo vista ora como aliada, ora como possível antagonista. Interpretada por Karolina Wydra, Zosia é uma personagem que funciona como ponte entre Carol Sturka e a mente coletiva (colmeia) que domina a humanidade.
O título

Pluribus extrai sua força de dois conceitos fundamentais que se entrelaçam ao longo dos episódios. Primeiramente, remete ao lema latino E Pluribus Unum, simbolizando a transição da multiplicidade para a unidade absoluta. No campo científico, a série introduz a importância das células tronco pluripotentes induzidas.
A descoberta de que Os Outros podem utilizar os óvulos congelados de Carol como um substrato biológico para finalmente integrá-la ao coletivo eleva a tensão da narrativa.
A pluripotência celular torna-se a metáfora para a maleabilidade da alma humana sob a influência do vírus, sugerindo que a identidade é apenas um estado transitório que pode ser reprogramado.
Física da Resistência

A introdução do personagem Manousos (Carlos Manuel Vesga), um gerente de depósitos colombiano-paraguaio também imune ao vírus, adiciona uma camada de investigação técnica à trama.
Enquanto Carol lida com o peso emocional da perda, Manousos foca na mecânica da colmeia. Sua pesquisa sobre frequências de rádio específicas e ondas estacionárias sugere que a conexão dos Outros possui uma vulnerabilidade física.
Ao identificar os antinodos de corrente nessas transmissões, Manousos teoriza que é possível interferir na rede que sustenta a consciência coletiva, transformando a ciência na única arma capaz de devolver à humanidade o seu direito ao conflito e à individualidade.
Produção
A primeira temporada é composta por nove episódios e mistura elementos de ficção científica, thriller psicológico e humor sombrio para construir uma atmosfera ao mesmo tempo enigmática e inquietante.
A produção aposta em um ritmo que alterna momentos de suspense com cenas de introspecção, usando a jornada de Carol como lente para discutir temas filosóficos sobre sofrimento, empatia e coerção social.
A trilha assinada por Dave Porter e a direção de fotografia de Marshall Adams contribuem para um tom sonoro e visual que reforça a sensação de estranhamento do novo mundo apresentado.
Ao longo da temporada, a série expõe como a supressão da dor pode se equivaler à perda de liberdade, colocando Carol diante de dilemas éticos que desafiam a noção de heroísmo e sacrifício.

A atuação de Rhea Seehorn é sensacional. Ela transita entre a descrença, o humor, a vulnerabilidade e a determinação, tornando a protagonista um ponto de identificação para o público diante do enigma global.
Mesmo não sendo a primeira heroína lésbica da ficção científica televisiva contemporânea, Carol Sturka é uma das mais significativas por ocupar o centro da narrativa em uma produção de alto perfil. Sua presença reforça a evolução da representatividade no gênero, consolidando Pluribus como uma obra que amplia debates sobre identidade e diversidade.
SPOILER

O desfecho do último episódio coloca os protagonistas diante de uma escolha impossível: a preservação do afeto individual ou a salvação do planeta. Ao aceitar uma bomba atômica entregue pela própria colmeia, Carol altera radicalmente o equilíbrio de poder.
A série encerra sua temporada inaugural não com respostas, mas com uma ameaça de aniquilação total. O uso de uma arma nuclear para possivelmente derrubar torres de transmissão de rádio é a metáfora perfeita para a filosofia de Pluribus: para salvar a essência da humanidade, os sobreviventes podem ter que destruir o mundo que os restou.
