Quem foi Messalina – imperatriz difamada por sua sexualidade livre na Roma Antiga

No cenário político do Império Romano, intrigas, conspirações de alto risco e mortes suspeitas eram comuns. Naquele universo, a reputação da imperatriz Valéria Messalina se destacava.
Ela entrou para a história como uma mulher sedenta para se manter ao poder, assim como seu apetite sexual. Na enciclopédia de História Natural, obra assinada por Plínio, o Velho (77 dC), Messalina é citada “como evidência científica de que os humanos são os únicos animais sexualmente quase insaciáveis”.
Segundo o escritor romano, a imperatriz demonstrava isso ao competir com “a mais famosa das prostitutas profissionais” para ver quem dormia com mais homens em 24 horas.

“A imperatriz a ultrapassou, após coito contínuo, noite e dia, no vigésimo quinto abraço” (Livro X, cap. 83).

A vida da mulher mais escandalosa da Roma Antiga ganha as páginas do livro publicado pelo selo Crítica, da Editora Planeta, “Messalina – Imperatriz, Adúltera, Libertina“, escrito pela mestre em História Grega e Romana, a britânica Honor Cargill-Martin.

Uma mulher no poder

Estátua de mármore de Messalina segurando Britânico, século I dC @ Getty Images

Valéria Messalina foi a terceira esposa de Cláudio, o imperador que estendeu o domínio romano no norte da África e fez da Grã-Bretanha uma província. Não se sabe exatamente quando ela nasceu, mas estima-se que quando se casaram quando ela tinha entre 15 e 18 anos, enquanto ele já se aproximava dos 50.
Apesar de Messalina vir de uma das mais prestigiadas e ricas famílias nobres da época e seu marido fazer parte da família imperial, nada indicava que ela se tornaria imperatriz.
Cláudio era coxo, gago, pouco atraente, mal-educado e grosseiro, o que o tornava mais um embaraço para sua família do que um pretendente ao trono.
Por muito tempo se dedicou a escrever livros de história e permaneceu fora do poder até que seu sobrinho, o imperador Calígula, o nomeou cônsul e senador.
O poder veio após o assassinato de Calígula em 24 de janeiro de 41, quando um soldado descobriu Cláudio tremendo no palácio. No dia seguinte, ele foi feito imperador pela Guarda Pretoriana (as tropas da casa imperial).

‘As orgias de Messalina’, pintado em 1867-1868 por Federico Faruffini @ Getty Images

Naquela época, Roma ainda estava se acostumando com uma nova forma de governo. Cláudio era apenas o quarto imperador da dinastia Júlio-Claudiana, a primeira do Império Romano, que estava no poder desde 27 aC.
Durante a maior parte de sua história antes desse ponto, Roma havia sido uma república, governada por um senado aristocrático e por magistrados eleitos.
Mas depois de meio século de guerra civil entre Júlio César e Pompeu, o Grande, Augusto chegou oferecendo paz, prosperidade e estabilidade em troca de poder autocrático.
A política deixou de ser feita em assembleias e fóruns públicos para ser praticada na intimidade da corte imperial.
A partir de então, o que realmente importava não era a posição de alguém no Senado, mas sua proximidade com o imperador. E a pessoa mais próxima ao imperador no trono é a imperatriz sentada ao lado dele.
Mas se Messalina aprendeu alguma coisa com sua experiência na corte de Calígula, foi que, embora a proximidade com o imperador pudesse dar a qualquer romano poder e oportunidade, também colocava sua vida em risco.

Difamação

Carlotte Wolter interpretando Messalina em 1875 @ Getty Images

No livro, Cargill-Martin reavalia a figura desta personagem, uma das mais caluniadas e subestimadas da História Antiga, e resgata como uma mulher conseguiu afirmar a própria posição em um mundo predominantemente masculino da política imperial romana.
Para a autora, a trajetória de Messalina acompanha a consolidação do poder imperial em meados do século I d.C. e da transformação constitucional de Roma, de uma República para o que era uma monarquia em tudo menos no nome.
Definida como inteligente, apaixonada e implacável quando necessário, a história da Imperatriz encapsula as manobras políticas atrozes e o luxo inimaginável da dinastia júlio-claudiana em seu auge.
Afastando o olhar da vida sexual de Messalina, Cargill-Martin investiga como a Imperatriz viria a se tornar uma participante ativa na lenta revolução da paisagem política romana, sendo pioneira em novas formas de exercer o poder que exploravam ou contornavam as velhas instituições exclusivamente masculinas da vida pública da época.
Ao longo da narrativa, Honor detalha como Messalina criou modelos para o poder feminino, os quais seriam usados por suas sucessoras, e que ajudariam a definir as ideias romanas sobre o que significava ser ‘imperatriz’.

“As supostas intrigas da imperatriz, sua queda repentina e o processo bastante efetivo de assassinato de seu caráter ocorrido após sua morte são muito reveladores das engrenagens internas da nova política de corte que emergiu quando Roma passou da República para o Império, um processo de desenvolvimento no qual, Messalina desempenhou um papel fundamental.”, defende a historiadora.

Por quase uma década, ela foi provavelmente a mulher mais poderosa do Mediterrâneo. Ela estava no topo da perigosa corte imperial, sempre disposta e capaz de fazer quase qualquer coisa para manter a sua posição.
Ela se envolveu em intrigas políticas, fazendo com que seus inimigos políticos fossem exilados ou executados. E ela navegou naquele campo minado com muito sucesso até o final do ano 48 DC. quando, em circunstâncias muito misteriosas e dramáticas, ela foi assassinada.
Mais do que “salvar” a reputação da imperatriz romana, o livro Messalina propõe um novo ponto de vista sobre a vida desta personagem no contexto em que existiu.

“Quando compreendemos o ambiente no qual Messalina viveu – e os relatos sobre a sua vida –, podemos trabalhar de trás para a frente, perguntando se as histórias que nos contam são plausíveis e, quando não são, examinando os preconceitos e motivos posteriores que podem ter levado a sua criação.”, argumenta.

Com rigor de pesquisa e embasamentos teóricos, Honor Cargill-Martin se dedica à recuperação da humanidade de uma história, anteriormente, limitada pelos meandros da política de alto nível e pelo patriarcado, como a de tantas mulheres antes e depois de Messalina.

FICHA TÉCNICA
Título: Messalina
Autora: Honor Cargill-Martin
Tradução: Ana Maria Fiorini
ISBN: 978-85-422-3171-7
Páginas: 384 p.
Preço livro físico: R$99,90
Selo Crítica, Editora Planeta