O Grammy nasceu em 1959 pela National Academy of Recording Arts and Sciences (NARAS), hoje chamada Recording Academy, como resposta da indústria fonográfica ao sucesso do Oscar. O nome “Grammy” vem de gramofone, em referência ao aparelho que revolucionou a gravação e reprodução musical.
A primeira cerimônia aconteceu em 4 de maio de 1959, em Los Angeles e Nova York simultaneamente.
A ideia era dar à música um prêmio que reconhecesse excelência artística e técnica, consolidando o gramofone dourado como símbolo máximo de prestígio cultural. Ele se tornou o maior prêmio da indústria musical, capaz de impulsionar carreiras e moldar tendências.

Porém, desde sua origem, o Grammy refletiu não apenas a arte, mas também os interesses da indústria. A seleção de indicados e vencedores é feita por membros da Academia, o que gera críticas sobre favoritismo, conservadorismo e falta de representatividade. O prêmio, muitas vezes, consagra artistas já estabelecidos, enquanto marginaliza gêneros periféricos ou inovadores.

O conservadorismo do Grammy não é apenas estético, mas também político e econômico. A premiação reflete os interesses da indústria fonográfica tradicional, que privilegia padrões ocidentais e brancos, e resiste em legitimar movimentos culturais que nascem fora desse eixo.

O Grammy não é “abertamente racista”, mas reproduz o racismo estrutural da indústria cultural. Ele consagra artistas negros em categorias específicas, mas hesita em reconhecê-los como protagonistas da música global. É a mesma lógica que marginalizou o rap nos anos 1980 e que ainda hoje trata o reggaeton como “exótico”, apesar de dominar as paradas mundiais.
Polêmicas e vitórias questionáveis

Ao longo das décadas, o Grammy acumulou decisões que se tornaram símbolos de injustiça. Confira algumas:
1989 – Jethro Tull vence Metallica – Na estreia da categoria Best Hard Rock/Metal Performance, a vitória de Jethro Tull sobre Metallica gerou protestos imediatos. O episódio virou símbolo da desconexão da Academia com a cena musical.
1990 – Milli Vanilli premiados e depois desmascarados – O duo ganhou Melhor Novo Artista, mas pouco depois foi revelado que não cantavam de verdade. O Grammy retirou o prêmio, em um dos maiores escândalos da história da música.
2008 – Herbie Hancock vence Kanye West e Amy Winehouse – O jazzista levou Álbum do Ano com River: The Joni Letters, superando álbuns que marcaram a cultura pop, como Graduation de Kanye West e Back to Black de Amy Winehouse. Muitos viram a escolha como conservadora.
2015 – Beck vence Beyoncé – Beck levou Álbum do Ano com Morning Phase, derrotando Beyoncé. O resultado gerou protestos, inclusive de Kanye West, que acusou a Academia de não reconhecer a relevância cultural da artista.
2017 – Adele vence Beyoncé – Adele levou Álbum do Ano com 25, superando Lemonade, de Beyoncé, considerado um marco cultural e político. A própria Adele, em seu discurso, disse que Beyoncé merecia o prêmio.
2021 – The Weeknd ignorado – Apesar do sucesso global de Blinding Lights e do álbum After Hours, The Weeknd não recebeu nenhuma indicação. O artista acusou a Academia de corrupção e anunciou boicote à premiação.
2023 – Harry Styles vence Beyoncé novamente – Harry Styles levou Álbum do Ano com Harry’s House, derrotando Renaissance, de Beyoncé. A decisão foi criticada por ignorar o impacto cultural e político da obra de Beyoncé.
Eles nunca ganharam um Grammy

Década após década, artistas que moldaram a cultura pop e transformaram gêneros musicais foram ignorados ou esnobados. Essas omissões revelam tanto o conservadorismo da Academia quanto as tensões sobre diversidade e representatividade.
Confira algumas das maiores injustiças do Grammy:
1960s – Vozes da contracultura ignoradas
• Janis Joplin: Símbolo da rebeldia e da contracultura, nunca recebeu um Grammy em vida.
• The Doors: Uma das bandas mais influentes do rock psicodélico, jamais reconhecida pela Academia.
• Bob Marley: Pai do reggae, nunca foi premiado, apesar de sua influência global.
1970s – O apagamento de ícones negros e LGBTQIAP+
• Diana Ross: Diva do soul e do pop, indicada diversas vezes, mas nunca premiada competitivamente.
• Curtis Mayfield: Voz fundamental do soul político, ignorado em categorias principais.
• Queen: Banda que redefiniu o rock com hinos como Bohemian Rhapsody, mas nunca levou um Grammy competitivo.
1980s – O rap nasce sem reconhecimento
• Run-DMC: Pioneiros do hip-hop, abriram caminho para o gênero, mas nunca foram premiados.
• Public Enemy: Símbolo da resistência política no rap, ignorados em categorias principais.
• Journey: Banda de rock com hits imortais como Don’t Stop Believin’, nunca premiada.
1990s – O rap e o pop continuam marginalizados
• Tupac Shakur: Lenda do rap, indicado em vida, mas nunca reconhecido pela Academia.
• Notorious B.I.G.: Outro ícone do hip-hop, também nunca premiado.
• Bjork: Artista experimental e inovadora, indicada 16 vezes sem vitória.
2000s – Popstars globais esnobados
• Snoop Dogg: Com dezenas de indicações, continua sem vitórias.
• Katy Perry: Apesar de hits globais como Firework e Roar, acumula várias indicações sem vitória.
• Nicki Minaj: Ícone do rap feminino, indicada várias vezes, mas nunca premiada.
2010s – A era digital e o boicote
• Lana Del Rey: Indicada em categorias importantes, mas nunca premiada até recentemente.
• The Weeknd: Com Blinding Lights e After Hours, foi completamente ignorado em 2021, levando o artista a acusar a Academia de corrupção.
• Miley Cyrus: Só conquistou seu primeiro Grammy em 2024, após anos de esnobes.
2020s – A crise de credibilidade
• BTS: Grupo de K-pop que redefiniu a música global, indicado várias vezes, mas nunca premiado em categorias principais.
• Bad Bunny: Apesar de ser o maior nome do reggaeton, ainda luta por reconhecimento pleno nas categorias de maior prestígio.

O Grammy ainda tem prestígio, mas sua credibilidade está em disputa. Em tempos de streaming e redes sociais, o verdadeiro reconhecimento vem da conexão direta com o público. Se não se reinventar, o Grammy corre o risco de se tornar apenas um ritual vazio, incapaz de refletir a pluralidade da música contemporânea.
O Grammy ainda importa, mas sua importância mudou. Ele é vitrine e espetáculo, mais do que árbitro absoluto da qualidade musical. Sua sobrevivência como referência depende de se reinventar diante das demandas de diversidade e da força das plataformas digitais.
