Sobre o documentário de Donna Summer na HBO Max

No documentário lançado pela HBO na sexta-feira, 19 de maio, Love To Love You Donna Summer, a vida da cantora estadunidense Donna Summer é revista pela ótica de sua filha do meio Brooklyn Sudano em parceria com o diretor Roger Ross Williams. Com direito muitas cenas de vídeos caseiros, entrevistas, bastidores e variadas gravações.

Primeira informação sobre este artigo: na minha infância, eu era fã de Donna Summer e Diana Ross. Tive uns cinco discos de vinil de ambas. Como também gostava de música dançante, Donna era minha preferida. Na adolescência, porém, Madonna também ganhou minha atenção. E sendo muito sincero, o documentário soa como um ‘vamos passar pano na biografia de nossa talentosa mamãe’.

Brooklyn é irmã do meio de Mimi (do primeiro casamento com ator austríaco Helmut Sommer, que durou dois anos) e Amanda (da união com Bruce Sudano). Mimi foi criada pelos avós no momento no qual Donna preferiu se dedicar a sua carreira, que ainda não acontecia.
Nos anos de 1970, ela morava na Alemanha, participava de uma montagem do musical ‘Hair’, fazias umas fotos como modelo e gravava umas baladas românticas cafonas.
Em 1975, conheceu o produtor italiano que procurava cantoras estadunidense ou britânica Giorgio Moronder. Contou da música ‘Love To Love You Baby’, que ganhou uma versão de 3 minutos e 20 segundos. Não aconteceu. Foi enviada ao presidente da Casablanca Records, Neil Bogart, nos EUA. Ele também lançou e não aconteceu.
Um mês depois, ele tocou durante uma festa em sua casa. Alguém pediu para ser tocada novamente. Tocou. Pediram novamente. Tocou. Ele sacou que ela era muito curta. Telefonou para a Alemanha e pediu uma versão de 20 minutos. Planejou que iram tentar que as rádios a tocasse à meia-noite. Diziam: “Fiquem ligados. Daqui a pouco, 20 minutos de amor”.

Caiu no gosto da cena LGBTQIA+, que o transformou num hit. Foi banida pela BBC da Inglaterra, mas vendeu um milhão de cópias e alcançou o número dois da parada Billboard Hot 100. Repetindo: seu primeiro sucesso aconteceu porque despertou o interesse do público LGBTQIA+.
Logo Donna Summer se tornou a Rainha da Disco Music, assim como um símbolo sexual. Segundo palavras da própria cantora, ela não estava preparada para o sucesso. Afirmava que, na vida real não era nada daquilo. Também se referia a “Donna Summer” como uma personagem.
No mesmo ano ançou ‘A Love Trilogy’ com apenas cinco canções. ‘Could it Be Magic’ foi o single de sucesso. Em 1977, lançou o álbum ‘I Remember Yesterday’. O destaque foi ‘I Feel Love’, considerada revolucionária por usar magistralmente sintetizadores. A canção ficou na 6ª posição na parada dos EUA e 1ª no Reino Unido. Ganhou o Disco de Platina e uma indicação ao American Music Award da artista Favorita de Soul/R&B.

“É uma das musicas mais inovadoras lançadas já feitas”, conta o produtor Giorgio Moronder. Todas as músicas dançantes com bateria eletrônica foram inspiradas em ‘I Feel Love’”.

“Eu me lembro de que quando ‘I Feel Love’ tocou no Studio 54, todo mundo ficou paralisado. O que é isso?. As pessoas gritavam. Ela tocou várias vezes sem parar e ninguém queria que parasse. Era diferente de tudo. Ela mudou o que as pessoas pensavam em música”, revelou Elton John.

Apesar de omitido do documentário, a cantora participou do filme “Até Que Enfim É Sexta-feira”. A trilha sonora rendeu álbum duplo de diversos artistas da época, como Diana Ross, Thelma Houston, Santa Esmeralda e quatro canções de Donna. Entre elas “Last Dance”, que ganhou o Oscar de Melhor Canção (composta por Paul Jabara) e o primeiro Grammy de Cantora R&B.

Em setembro de 1978, ela lançou um single com uma versão disco de “MacArthur Park”, canção composta por Jimmy Webb em 1968. Na voz de Donna, atingiu a 1ª posição na Billboard Hot 100 por três semanas, indicação no Grammy de Cantora Pop e outra no American Music Awards de Artista Feminina Pop/Rock. A canção entrou no álbum ‘Live And More’, gravado ao vivo no show na Universal Amphitheatre, em Los Angeles. Ele cravou o 1º lugar na Billboard 200, ganhou Disco Duplo de Platina e vendeu dois milhões de cópias.
Donna Summer se tornou a primeira artista da era moderna do rock a ter um single no 1º na Hot 100 e um álbum na Billboard 200 ao mesmo tempo.
Em janeiro de 1979, ela ganhou três American Music Awards (Artista Feminina, Single e Álbum na categoria Disco).

No verão daquele ano chegou às lojas o álbum “Bad Girls”, com a canção homônima, além de “Hot Stuff (segundo Grammy como Cantora Rock)”, “Heaven Knows”, “Dim All The Lights” e, em parceira com Barbra Streisand “No More Tear (Enough is Enough)”. No documentário é revelado que “Dim All The Lights” foi a primeira canção composta integralmente pela artista, que planejava trabalha-la como um single, porém, o presidente da Casablanca acreditava muito mais no potencial da parceria com Barbra. O que de fato aconteceu.

Ela ficou puta da vida. Processou a gravadora Casablanca em U$ 10 milhões. Perdeu, mas ganhou os direitos aos lucros publicitários das canções.
O álbum rendeu vitórias como Cantora Pop/Rock, Artista Feminina Soul/R&B e single para “Bad Girls” no American Music Awards.
A canção “On The Radio” integrou a trilha sonora do filme “Gatinhas”, estrelado pela, até então adolescente Jodie Foster. Entrou no 5º lugar nas paradas e, como single, vendeu um milhão de cópias somente nos EUA.
Mudou para a gravadora Geffen. Lançou o álbum “The Wanderer” em 1980, misturando elementos de rock, new wave e gospel com a canção “I Believe in Jesus”. A canção tema garantiu a 3ª posição na Hot 100. Também rendeu uma indicação ao Grammy de Melhor Cantora Pop e Performance Inspirational (categoria religiosa que anos depois mudaria para Gospel – ou seja, música de igreja). É um álbum fraco.

Donna Summer dando close no Studio 54 ao lado de Giorgio Moronder @ divulgação

Em seguida, teve alguns desentendimentos como o presidente da gravadora David Geffen. Só conseguiu lançar os singles “Highway Runner” para o filme “Picardias Estudantis” e “Rome” para “Flashdance”.
Em 1982 lançou “Donna Summer”. O primeiro single “Love is in Control (Finger on the Trigger)” rendeu uma indicação ao Grammy de Cantora R&B. A canção “Protection”, composta por Bruce Springsteen, rendeu indicação como Cantora Rock. “The Woman in Me” atingiu a 33ª posição na Hot 100.
Mudou para a gravadora Mercury e lançou “She Works Hard For The Money”. A canção título se tornou um hino feminista da época. Ficou em 3º na Hot 100 e 1º na Parada R&B da Billboard por três semanas. Ganhou nova indicação ao Grammy de Cantora Pop com a música “Unconditional Love” e a vitória veio com religiosa “He’s A Rebel” como Performance Inspirational.
Dirigido pelo britânico Brian Grant, o vídeo da canção “She Works Hard for the Money” se tornou o primeiro clipe estrelado por uma cantora negra a aparecer na MTV. Garantiu indicações como Artista Feminina e Coreografia na MTV Music Video Awards 1984.

Durante um show, Donna falou para a plateia “Deus não criou Adão e Ivo. Criou Adão e Eva”. Foi uma bomba para seus fãs LGBTQIA+. Não satisfeita, declarou que “AIDS” foi um castigo de Deus contra os gays. Durante uma exposição de quadros que ela fez em Chicago (sim, também pintava), ativistas da organização Act Up – uma das mais importantes pela luta em reconhecimento da epidemia da AIDS pelo governo estadunidense – organizaram uma manifestação. Queriam invadir e destruir a exibição. Mas não fizeram. Declararam: “Esta era uma pessoa que adorávamos e achávamos que nos apoiava e ela virou às costas para nós”.
Shows foram cancelados. Segundo o documentário, Donna teve que aprender a se apoiar na fé, pois sabia que as pessoas acreditavam naquilo que foi dito, porém, ela negou. Convocou uma coletiva que afirmava:

“Revistas afirmam que eu disse que homossexuais são pecadores e que a AIDS eram um castigo divino. Isso é complemente falso. Eu nunca disse isso e eu não acredito nisso. Eu jamais diria as coisas que atribuíram a mim nesse artigo”.

Bom… Você conhece a técnica usada por exaustão pelos apoiadores da Extrema Direita, né? Eles soltam o verbo, ofendendo seja lá quem. Depois da polêmica, tentam se retratam afirmando: “Ah, não foi bem assim o que eu quis dizer…” ou “Fui mal interpretado…” ou “Retiram a frase do contexto…”.
A partir deste momento, o documentário opta em fechar o ciclo, relevando seus últimos momentos. Se você não conhece a história, poderia imaginar que, ela ficou tão abatida que foi acometida com um câncer. Porém, as coisas não foram assim.

Donna Summer @ Divulgação

Fatos: a partir daquele momento, sua carreira nunca mais foi a mesma.
Lançou “Cats Without Claws”, que foi o primeiro a não figurar no Top 10 desde “Once Upor A Time”, de 1977. Mesmo assim, a canção “Forgive Me” garantiu seu quarto Grammy como Performance Inspirational. Lembrando que é uma categoria religiosa.
Em 1985, ela se apresentou na posse da segunda vitória de Ronald Reagan como Presidente dos EUA. Lembrando que ele era do Partido Republicano, ou seja, da Direita e Extrema Direita do país.
Em 1987, lançou o péssimo “All Systems Go”. David Geffen desejava direcionar sua carreira para o mercado R&B, porém, ela se negou. Em entrevista a Daeida Magazine, em 2012, o produtor Harold Faltermeyer contou que: “Para a gravadora, ela era uma artista considerada velha para o mercado jovem”. Lembrando que, na época, ela estava com 39 anos.
Dois anos depois, lançou o dançante “Another Place And Time” e a canção “This Time I Know it’s for Real” ficou no Top Dez em alguns países da Europa. Nos EUA, atingiu a 7ª posição na Hot 100 e foi o 12º single de Ouro. “I Don’t Wann Get Hurt” e “Love About to Change My Heart” garantiram o 7º e 20º lugar no Reino Unido.
Quando lançou o álbum “Mistaken Identify”, em 1991, ela entrou com um processo contra a revista New York que resgatou suas falas homofóbicas. Segundo o programa sobre ela no canal Biography, o caso foi resolvido fora a corte, porém, ninguém soube do que ficou acertado.
Em 1994, ela lançou a coletânea “Endless Summer: Donna Summer’s Greatest Hits” com seus sucessos e duas inéditas, entre elas dançante “Melody of Love (Wanna Be Loved)”, garantiu o 1º lugar na Parada Dance dos EUA.
Em 1999 foi convidada para participar do especial VH1 Divas 2. O primeiro tinha sido um sucesso quando reuniu Aretha Franklin, Celine Dion, Mariah Carey, Shania Twain, Gloria Estevan e Carole King.
Quando ela se encontrou com os produtores da emissora resolveram que ela merecia mais. Lançaram “Donna Summer – Live & More Encore” com seus sucessos ao lado de duas novas “I Will Go With You (Con te partirò)” e “Love is the Healer”. Ambas alcançaram a primeira posição nas Paradas Dance.

No ano seguinte, ela participou do especial VH1 Divas dedicado a Diana Ross, cantando “Reflections”, sucesso do grupo Supremes de 1966 e a inédita “The Power of One”, que integrou a trilha sonora de “Pokémon: The Movie 2000”. Ganhou uma versão remixada que atingiu o 2º lugar nas paradas.
Em seguida, lançou uma autobiografia (não lançada no Brasil) chamada “Ordinary Girl: The Journey”. Em 2004 entrou para o Dance Music Hall of Fame. Seu 17º álbum em estúdio “Crayons”, em 2008 se tornou seu canto do cisne. É um disco ruim. Soa antigo e sem sentido. Passou em brancas nuvens. Oficialmente sua carreira estava encerrada.
Donna Summer morreu em 17 de maio de 2012, aos 63 anos, em Naples, na Florida. Um porta-voz afirmou que o câncer de pulmão surgiu porque ela inalou fumaça e poeira durante o ataque de 11 de setembro, no qual ela estava num apartamento próximo. Porém, revelações posteriores afirmaram que foi fumante quando jovem, assim como no auge do sucesso e também que existia uma predisposição genética da doença em sua família.
No início de 2023, a Rolling Stone a colocou em 122º lugar na polêmica lista das 200 Maiores Cantores de Todos os Tempos.