Morre a debochada, irônica e talentosa Angela Ro Ro

Amor, meu grande amor
Não chegue na hora marcada
Assim como as canções
Como as paixões e as palavras
Me veja nos seus olhos
Na minha cara lavada
Me venha sem saber
Se sou fogo ou se sou água
Amor, meu grande amor
Me chegue assim bem de repente
Sem nome ou sobrenome
Sem sentir o que não sente
Que tudo que ofereço
É meu calor, meu endereço
A vida do teu filho
Desde o fim até o começo
Que tudo que ofereço
É meu calor, meu endereço
A vida do teu filho
Desde o fim até o começo

 

Angela Ro Ro faleceu na manhã desta segunda-feira, 08 de setembro. Ela estava internada desde 17 de junho na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Silvestre, no Cosme Velho, Zona Sul do Rio de Janeiro. Deu entrada devido a uma infecção pulmonar e precisou ser submetida a uma traqueostomia. Segundo seu advogado, Carlos Eduardo Campista de Lyrio, a causa da morte foi uma infecção bacteriana que contraiu na UTI do hospital.

Angela Ro Ro @ divulgação

Não me lembro exatamente quando ouvi Angela pela primeira vez, mas sei que a canção era “Amor, Meu Grande Amor”. Achei sua voz interessantíssima. Muito diferente daquilo que conhecia.

Fiquei curioso em conhecer outras canções, porém, não foi fácil. Eu era muito jovem e minhas referências eram as trilhas sonoras das novelas, programas de auditório e rádio. Fui ter acesso ao seu trabalho mais completo muitos anos depois.

Pouco depois de conhece-la, seu nome estava nos jornais e revista de fofoca em matérias sobre o tumultuado romance com a Zizi Possi. Mesmo sem detalhes,  diziam que Angela deu uns tapas na moça… Virou uma lenda urbana. Somente Recentemente, Angela contou ao jornalista Rodrigo Faour contou sua versão.

Na época, ela se envolveu com outra mulher. Zizi descobriu e não aceitou. Terminaram. Pouco depois, Angela foi chamada para o apartamento da fofa. Não foi atendida direito. Minutos depois, chegou a polícia. Começaram a agredi-la.

Ângela Ro Ro @ divulgaçãoEu era um adolescente gay sofrendo com todas as mudanças físicas, hormônios em ebulição, o desejo de experimentar tudo que fosse possível. Tudo era intenso!
Saber que uma artista era lésbica nos anos de 1980 era incrível! Ou seja, na minha cabeça, pensar que uma pessoa famosa poderia ser como eu era o máximo. Entenda: todo adolescente deseja encontrar referências, identificações e conexões!
Enquanto Zizi se calava (nunca falou uma linha sobre o assunto), Angela, por outro lado, soltava a voz… Era corajosa, engraçada, debochada, afiada e, acima de tudo, sensível ao transformar suas dores em poéticas e testemunhais letras, que se tornaram lindas canções.

Em 1981 lançou o álbum “Escândalo!”, com uma capa em formato de jornal com o título como uma manchete, debochando da exposição da imprensa sobre a suposta agressão. Pensa!

Capa do álbum Escândalo de Angela Ro Ro @ divulgação

Naquele momento, ela era alguém que não estava preocupada se iria agradar a todos. Ela era “ela”. “Angela, você não tem ideia do quanto isso foi positivo na minha aceitação!”
Claro que nem tudo foram flores. Nunca é. A sociedade brasileira da década de 1980 era muito conservadora (ainda é) e altamente hipócrita (ainda é também). Se o caminho do artista padrão é difícil (por inúmeros motivos), piora quando você é alguém que foge das regras. O sofrimento sempre será maior. E com Angela não foi diferente.
Sua carreira foi recheada de altos e baixos. Passou longos períodos longe da mídia. Para entender: em quase 50 anos de carreira, gravou apenas dez álbuns em estúdio!
Em 1993 lançou o ótimo Angela Ro Ro – Ao vivo. Em 16 faixas, apresentava um dos mais significativos trabalhos de sua carreira, misturando seus sucessos, como “Amor, Meu Grande Amor”, “Simples Carinho”, “Fogueira” e “De Todas as Maneiras” com clássicos internacionais, como “Ne Me Quitte Pas’, “All The Way”, “Senza Fine” e “Night And Day”.

O álbum a apresentou a uma nova geração. Fez uma sucessão de shows e apresentações ao vivo e sumiu novamente. Demorou sete anos para lançar o “Acertei no Milênio”, com 13 canções – nove inéditas. Foi eleito o Melhor do Ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Voltou a fazer shows, apresentar programas de TV, etc.

Lá no início dos anos de 2000, assisti seu show num galpão sujo da Estação Cultura. Fiquei empolgado. Sim, ela continuava com a mesma verve, humor, ironia e deboche. Porém, entendi que estava cansada. O vigor não era mais o mesmo. Natural, né? Mesmo assim, foi um momento muito especial.

2 comentários sobre “Morre a debochada, irônica e talentosa Angela Ro Ro

  1. Muito bom, Marcelo! Está envolvente o texto, gostei de como você amarrou a história dela com a sua trajetória pessoal. Dá uma outra dimensão da influência que uma artista dessa pode ter. Gostei de lembrar das minhas preferidas dela, como “Amor, Meu Grande Amor”, “Fogueira” e a interpretação dela de “Ne Me Quitte Pas”. É um acalento num momento de tristeza pela morte dessa referência da nossa geração.

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  2. Boa tarde, Marcelo! Muito bom seu artigo sobre Ângela Ro Ro, cantora que é um ícone da MPB e que nos deixou, infelizmente. Perdemos nós, seus fãs (sou um deles), e mais ainda a música brasileira. Hoje, carecemos de talentos como ela, sobretudo pela autenticidade de cantar o amor com a intensidade que a vida nos pede. Quero deixar apenas uma observação: na frase “Naquele momento, era representava uma figura de grande importância.”, acredito que seja ‘ela representava’, não? Estou me inscrevendo e seguirei suas publicações, pois gostei do conteúdo. É muito bom saber que um ex-colega da turma de Jornalismo na PUC Campinas nos traz novidades, com qualidade, sobre temas variados. Sucesso!

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