Acabei de reler a melhor ‘pior autobiografia sobre a moda brasileira’ dos últimos anos: Dener – O Luxo. Ganhei de presente de Ana Paula Barros.
Reedição do original de 1972 (que também ganhei de presente de Huguette Gallo), o livro de Dener Pamplona de Abreu é um registro de um personagem criado pelo costureiro mais famoso do Brasil entre as décadas de 1960 e 1970.
Naquela época, ninguém falava Estilista para definir um Costureiro e, pior, confundia ‘Roupa Sob Medida’ com ‘Alta Costura’ – que, nunca existiu (ou existirá) no Brasil, pois é um termo criado e protegido pela Chambre Syndicale de la Haute Couture para a criação de roupas produzidas com uma lista de normas e regras na cidade de Paris! O que existe, feito à mão, é Roupa Sob Medida!

Além de costureiro, Dener se autodenominava ‘figurinista’, que também é uma palavra incorreta, pois este é um profissional que trabalha com figurinos – trajes de personagens de uma obra de ficção, como cinema, televisão, teatro, ópera, entre outros. Que, também não era o caso do mesmo da função executada por ele (e outros) daquela época.
Enfim… Na introdução da obra, o autor (o próprio Dener) já avisa que o relato é sobre o ‘personagem’ Dener.
Primeiro ponto favorável da obra: ele realmente não mentiu. É uma biografia de um personagem nascido no Recife de com mãe rica (criada na Inglaterra, que foi aluna de Ana Pavlova) e pai de classe média (filho de médicos).

Quando a família perdeu todo o dinheiro, graças as extravagâncias do avô materno, eles se mudaram para uma pensão em Copacabana, no Rio. Na escola, ele era a vedette (palavra usada na bio), ou seja, o ‘popular’. Fazia o que bem queria, sem se preocupar em respeitar qualquer norma ou disciplina. Segundo o mesmo, nem a Primeira-Comunhão ele quis que fosse realizada do jeito convencional e, acabou fazendo sozinho – sem cerimônia.
Aos oito anos, por influência do cinema, desenhou modelos para estrelas, como Green Garson, Betty Grabler, Heddy Lamar e Maria Montez. Ele recortava a cabeça das atrizes num esboço com a ilustração do vestido.

Quando a mãe saiu da companhia aérea Panair, Dener foi obrigado a arrumar um emprego. Estava com 13 anos. No meio do caminho, o ônibus quebrou e seus desenhos foram vistos por Cândida Fiala, diretora da Casa Canadá – a mais importante loja de roupas no Rio de Janeiro, fundada em 1944. Ela o contratou na hora. Ele recebeu o dobro do salário de sua mãe. Sua primeira cliente foi Sarah Kubitschek, ou seja, a esposa do presidente da república. Se isto foi verdade ou não, hoje, seria impossível saber.

E o relato segue nesta linha como se fosse um longo conto de fadas, escrito com toda a afetação possível – algo que se esperava de um profissional que trabalhava com moda naquela época (na realidade, não tem qualquer problema, lógico!).
Além disto, o livro faz um desfile de nomes de milionárias paulistas e estadunidenses, esposas de políticos, estrelas de Hollywood, como Vivien Leigh, que são mencionados sem o menor pudor de parecer arrogante ou fora de contexto. Muito pelo contrário, nas 160 páginas do livro, Dener fez questão de parecer uma figura irreal. Quase um sonho de todo jovem criador de moda.

Seu mundo de luxo e elegância nos anos de 1960 e 1970 era regado com fartas doses de futilidade e alienação – o auge é no exato mesmo momento no qual os militares derrubavam o Presidente da República João Goulart com um golpe de estado e os ricos acreditavam que o Brasil se tornaria Comunista. Segundo Dener, seu medo era saber se teríamos que usar uniformes cinzas. Outra grande “preocupação” era: “qual vestido Maria Teresa Goulart usaria quando fosse exilada?”

Pois é… Hoje, o maior interesse pelo livro (a moda) é praticamente deixado de lado. Dener se autodenominava o Maior Costureiro do Brasil, chochava todo mundo – em especial os estilistas Clodovil, Pierre Balmain, Yves Saint Laurent (segundo Dener, quando Yves foi convocado para ir ao exército, o brasileiro foi convidado e RECUSOU a trabalhar na Maison YSL…) e Emilio Pucci. Seus únicos elogios foram para Balenciaga, Valentino, Chanel e Dior.
Uma vez que ele não conseguia sair do personagem que criou, sua vida privada foi praticamente descartada. Muito rapidamente, ele citou uma ‘ajuda’ que recebeu do barão de Neuville, que pagou seus estudos nas melhores casas da Europa e uma ‘outra ajuda’ de um filho de marajá, que queria a todo custo leva-lo para sua terra. Com a ‘ajuda’ do último, viajou muito e ganhou diversos casacos de Vison.

Lá nas últimas páginas, superficialmente, ele comentou sobre seu curto casamento com Maria Stella Splendore. Segundo ele, já começou mal na lua-de-mel pelos diferentes desejos que ambos tinham em relação a viagem à França. Enquanto ele queria assistir Maria Callas na casa de show Ópera de Paris, ela queria ver Elis Regina se apresentar no Olympia. Naquele momento, ele soube que o casamento não daria certo! Certo… A questão sobre os ‘diferentes’ desejos sexuais de ambos é totalmente ignorada.
Ao término da biografia, me perguntei se não estava sendo muito rígido com uma pessoa que viveu tantos anos na pele de um ‘personagem’, que, segundo o mesmo, era rico, popular e… Um Luxo! Ainda tenho minhas dúvidas.
Será que, no momento que escrevia o livro, ele se perguntou: ‘será que este personagem que criei tinha alma?’
Enfim… Semana passada, ganhei a bonita reedição lançada em 2007 pela Cosac Naify, que se juntou a raríssima edição original, que ganhei em 2011 – ambas presenteadas por pessoas muito especiais, Ana Paula Barros e Huguette Gallo.
(Artigo Jorge Marcelo Oliveira)

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